junho 17, 2003

REGRESSA DEUS. Alguém (obrigado, Lúcia ) me diz que «o tema de Deus regressa». Não sei, também não sou especialista só falei disso a propósito da Europa, já disse que não gosto de falar do assunto. Mas não lhe fujo. A Time dedica a capa ao «regresso de Deus», assinalando que a Europa «lhe escapou». Folheio. Não é bem a mesma coisa. No Brasil, a crónica de Diogo Mainardi é motivo de polémica porque escreveu «deus» com minúscula. Cartas, protestos, sabe-se lá que mais. Os judeus ortodoxos escrevem «D'us» porque não se pode dizer o seu nome «em vão», todo o seu nome. Fica um sinal, só – uma desinência, uma palavra a que caiu uma letra, «D'us», «G'd» — uma poeira do abecedário, do alfabeto. Alona Kimhi, no «Susana em Lágrimas» (edição Asa) lembra que eles evitam pensar em Deus quando estão na casa de banho.

Não sei. Acho bem que este assunto regresse mas não gostava que o «Aviz» fosse identificado como um blog «teológico». Calhou. Não gostava de trazer aqui o rasto das minhas preocupações neste território. Por isso, quando a L. me diz que «está na ordem do dia», não estranho. Mas não tenho resposta. A não ser esta:



As perguntas

Não tem rosto, o Deus dos perplexos. Nem voz.
Nem arrependimento. Nem a alegria dos alegres
ou o medo da escuridão. Não posso dizer-vos como
se encontram os seus caminhos, se o melro poisa

nas hortas junto do rio, ao adivinhar a tempestade.
Deus predador, o nosso, prudente, interdito,
que desagrada ao canto mais simples. As nossas
pegadas ficam no deserto, aguardam a passagem

como um fantasma que se desprende da chuva.
Esta luz é incerta, balança sobre as varandas, ameaça
os dias, converte ou desarma todas as palavras certas,

todos os olhos abertos. Não tem rosto, o Deus dos
perplexos, não caminha nos precipícios, não arde
como a urze fitando o céu, não o comove a morte.

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