julho 07, 2003

AS COISAS. Passar o dia fechado num sítio qualquer. Quando se sai, há árvores, erva cresce entre os muros, o dia acaba, o ruído dos carros não serve como metáfora. A sensação de o dia acabar, às vezes, não é muito boa; mas o pior de tudo é quando essa sensação não é nem muito boa nem muito má — e arrasta consigo uma indiferença que acaba por manchar tudo.
Um personagem de um livro diz: «As ilhas não são boas para o turismo. Favorecem a melancolia.» Nem as planícies, nem as montanhas, nem o céu, nem os bairros onde há plátanos e jacarandás, os pátios onde as crianças andam aos saltos, ou andavam. O turismo tornou-se uma obsessão frívola na vida inteira — passar num lugar, fixar um nome, ir adiante, ter um carimbo no passaporte, turistas da vida inteira. Eu também tenho pena disto tudo: dos negrilhos que acabaram, dos muros cheios de erva, dos rios que vão sendo destruídos, de um sorriso que não se vê há muito tempo. Mas tenho a alegria das vozes que vêm de muito longe por telefone. E essa impressão de que algumas florestas ainda estão imperturbáveis no meio de tudo, de que o mundo não é a preto e branco, e de que o silêncio não é tão chocante como se julga. Nem o sono interrompido quando se acorda por tudo e por nada.
Nestas alturas penso nas amendoeiras, nos zimbros, nos caminhos de terra, numa mão invisível que atravessa o mar, numa varanda, num par de livros, as coisas não deviam ser assim.