julho 03, 2003

CLARICE LISPECTOR «Guiu» escreve longas cartas a Clarice Lispector em Perto do Coração Selvagem; é um blog brasileiro que visito de vez em quando (porque também gosto de Lispector — se calhar mais pela sua biografia; ou pelo que, nos livros, resta da sua biografia) e tem textos bons de ler:
«Tá, tudo bem... Ser uma jornalista linda em Nova Iorque [refere-se à personagem televisiva de «Sex & the City»] cercada por todo o glamour cosmopolita do primeiro mundo é bem diferente de viver abaixo da linha do Equador, com problemas de auto-estima e conta bancária no vermelho. Mas, quem tem a minha idade (ou se aproxima dela para mais ou para menos) sabe do que estou falando. Namoros que não chegam a completar seis meses de vida, compensação da carência na comida e nos cartões de crédito, fins de semana regados a almoços e jantares em restôs badalados. Podemos alterar cardápio, teor alcoólico da bebida, opções de restaurantes, uma ou outra turma de amigos. Quando se está assim não adianta aproveitar a promoção de CDs e comprar todos os sucessos de seus artistas preferidos dos anos 70, 80 e 90 ou investir em um novo guarda-roupa. Tudo o que queremos e precisamos é de um pouco de atenção. Não qualquer atenção. Mas aquela específica. Que requer esquecer um pouco os livros, as músicas do passado, os deveres exigidos pelo mestrado... os sonhos depois do the end daquele filme [...]»
Ou, noutro lado:
«Clarice, o problema é que ando vendo filmes demais (outro dia revi Jules et Jim do Truffaut e chorei horrores com a constatação sombria de que o para sempre, sempre acaba ), lendo histórias idílicas demais, ouvindo música pop demais. Só isso explica tanto questionamento bobo, quase cafona, tipo quando é que um amor acaba? Sei que parece tudo muito meloso, mas é assim mesmo quando longas histórias ficam por um fio. O fio da memória. [...] O fato é que, quando estou namorando, o outro lado da minha cama de casal não fica tomado por livros, revistas, páginas de jornal. A cabeceira não fica tão cheia de canecas de chá, taças de vinho, pilhas de livros ou velhas fotografias. Tento manter tudo mais ou menos em ordem quando tenho alguém para dividir a intimidade.»