julho 01, 2003

ESTRADAS NACIONAIS As estradas nacionais — e não só a EN 1 — davam para fazer uma história de Portugal recente. O Abrupto lançou o repto a propósito da EN 1, com as suas pedreiras cavadas nas encostas, as terraplanagens, os «telhados suíços», os stands de automóveis usados, estaleiros de construção civil, armazéns de ferragens e holofotes apontados ao asfalto. Mas as estradas nacionais, um pouco por todo o lado, dão conta dessa transformação com que quase toda a gente ironiza. Na paisagem de Trás-os-Montes, da Beira ou do Minho, não vale a pena bater — uma vasta horda de construtores aniquilou paisagens que deveriam ter sido consideradas património geral da humanidade; no Oeste, então, as proporções do desastre urbanístico, de Loures a Leiria, são mais do que graves — riscam a própria demência. Tudo isso, desculpem a insistência, com o apoio despudorado de uma geração de autarcas que geriram em «roda livre» os dinheiros das câmaras e os PDA, favorecendo tudo o que poderia ser «progresso para o concelho». Se há palavra que não posso ouvir, hoje em dia, é «concelho». Pior só mesmo a expressão inteira de «a favor do progresso do nosso concelho». A suinicultura da zona Oeste, por exemplo, provoca níveis de poluição ainda não quantificáveis (não, o que vimos na praia de Vieira e que se vê todos os dias no Liz é só um pouco, só uma amostra) — se juntarmos a isso o descalabro urbanístico, o desenho então é assustador.
As estradas nacionais, desenhadas pelas indústrias do asfalto & das obras públicas, em associação com a camionagem e o desvario autárquico, dão uma imagem do país. Do céu, Portugal assemelha-se a um corpo desorganizado e cheio de feridas. Por isso, às vezes recordo as estradas que acabaram. As estradas que vêm do fundo da memória. Foi um país que acabou.