junho 17, 2003

DEUS EUROPEU. De repente, comentários sobre o assunto. Eu não gosto especialmente de falar sobre Deus — é um problema entre mim e o deserto e muitas vezes é difícil explicar essa relação sem identidade a quem não está disposto a mudar de dicionário. Essa linguagem ainda não está inventada e o que não tem nome não existe, já se sabe (os leitores de Wittgenstein escusam de comentar). Mas quando se fala de um Deus europeu o que está em causa não é Deus mas sim a Europa. Luís Salgado de Matos escreveu no «Público» um artigo sobre o assunto na última segunda-feira e fala da «fraqueza da Europa — que não consegue ter Deus». Ter Deus «do seu lado»? É tão perigoso, isso. Tão caricato, também, tão falso. Nenhuma entidade política pode reivindicar essa ligação.

{O que me lembra uma objecção central de Agustina Bessa-Luís, quando no «Diário de Notícias», há uns tempos, lhe perguntaram se Israel era uma democracia (pergunta mais ridícula, sobretudo se lembrarmos que foi feita durante uma das fases mais violentas do conflito israelo-árabe; porque não perguntaram se a Síria era uma democracia, se o Egipto era uma democracia, se o Hamas e o Hizzbullah querem implantar uma democracia na Palestina?). Agustina dizia que Israel há muito tempo tinha deixado de ser «um lugar de Deus». A definição de Israel como «estado judeu» é problemática, sim, mas não está fundada numa ligação à religião – e sim ao direito de os judeus, perseguidos na «Europa cristã» viverem numa democracia onde os seus direitos fossem respeitados. David Ben-Gurion não era um judeu religioso (observante), tal como não o eram Golda Meir ou Herzl. A questão volta sempre à ribalta de cada vez que se fala no «estado hebraico» ou no «exército judeu» (a expressão preferida dos teólogos católicos de serviço, como Frei Bento ou o padre Carreira das Neves). A inacreditável misturada que a generalidade dos comentadores faz entre sionismo, «estado hebraico» e Israel merece que se fale do assunto. O André Barbosafaz uma incursão nesta matéria, ao analisar as tendências anti-semitas de certos artigos na imprensa portuguesa.}


Mas isto não tem a ver com Deus. Tem a ver com a sua designação, o que são coisas diferentes. Diogo Mainardi escreveu na semana passada, na Veja, um artigo em que pede «menos Deus». Ele tem razão. Gastámos muito o nome de Deus — que devia ser um pássaro na nossa gramática, uma palavra a menos quando estamos a falar. Só se devia dizer o nome de Deus em silêncio absoluto.