junho 22, 2003

ESCONDER, NÃO ESCONDER. Conta-se em poucas palavras: o Pedro Mexia escreveu que Pacheco Pereira «usa com demasiada latitude o termo "umbiguismo". A linguagem, caro JPP, também é uma forma de as pessoas se esconderem.» A resposta de Pacheco Pereira foi essa mesma: «A linguagem, caro Pedro, também é uma forma de as pessoas se esconderem.»
Mais do que um «inventário circular» de argumentos — ou de demonstração, por parte de JPP, de que a linguagem se pode usar «nos dois sentidos» —, acho que estamos diante de um problema sério sobre «a natureza dos blogs» e, mais seriamente, sobre «exibicionismo» e «umbiguismo» nesta actividade. Pacheco Pereira é extremamente crítico em relação a esse «umbiguismo», mas creio tratar-se, também, de uma questão geracional. O modo de circulação dos textos na internet não tem, por enquanto — nem sei se terá, em tempos mais próximos —, essa carga responsabilizadora que se atribui ao «papel impresso», aos jornais e revistas. Os blogs são, muitas vezes, repositórios de aventuras pessoais, muito mais pessoais do que o debate intelectual: quem escreve blogs não está sujeito a um editor. Escreve-se directamente para uma tela flutuante; o universo de leitores de blogs é muito circular, as pessoas conhecem-se ou vão-se conhecendo, recebem mensagens, mails, recados, apoios. A tentação de dar a conhecer os mundos pessoais é muito maior: há quem resista à tentação, num mundo em que a «solidão», a incomunicabilidade e as «afasias de grupo» justificam também o aparecimento dos blogs (veja-se o post da Psicossomática no Abrupto); há quem queira exactamente dar a conhecer esse lado, justamente porque os mundos pessoais tendem a justificar, primeiro, e a substituir, depois, o debate intelectual; do género: «eu vou ver o filme do João César Monteiro, logo penso certo número de coisas», ou «eu escrevo sobre futebol, logo identifico-me com a tribo», ou «falo de Leo Strauss logo já sabem o que penso». A lógica do «quand dire c'est faire» acaba por ser substituída pela do «quand faire c'est dire».
Portanto, esconder ou mostrar não são coisas inocentes quando se fala na linguagem dos blogs, nem tem unicamente a ver com a marca «anglo-saxónica» (que seria mais pessoal, na primeira pessoa); passa pela forma como se quer dizer e pelo que se quer dizer, e pela injunção estabelecida entre «literatura» e, por exemplo, «história» ou «sociologia». Por isso, essa disputa (corporizada pelo Pedro Mexia e pelo José Pacheco Pereira) tem todo o sentido, embora se compreenda que ambos sabem muito bem do que falam.
Penso é que o mundo dos blogs oferece todas as possibilidades; há lugar para blogs muito mais «literários», blogs muito mais «ideológicos», blogs extremamente pessoais (que abrem essa fenda na intimidade — por onde aparece o exibicionismo, provavelmente infantil), etc. E até há lugar para esse cruzamento ideal entre a aventura pessoal e um certo rigor no debate intelectual, sem pôr em risco a natureza fragmentária deste suporte ou até o seu lirismo — um comentário sobre a paisagem, uma frase sobre a noite, um sinal sobre nós (sim, são essas coisas) — ou o seu humor. A questão é que, nos blogs, há linguagens muito diferentes a competir no mesmo espaço. E isso é magnífico desde que não se queira transformar a «blogosfera» (o termo é do Pedro Mexia) naquilo que ela, manifestamente, não é.
Por outro lado, criar um blog implica sempre uma quebra da reserva de intimidade (que não pode ser confundida com o «umbiguismo chique» — ou seja: transformarmo-nos em problema central do que se escreve, publicar um livro sobre desgraças e desventuras pessoais, mostrar a casa à Caras, dizer como se foi abandonado pela mulher, transformar o círculo de amigos no único grupo de gente disponível no mundo): nós sabemos que livros andamos a ler, a que horas frequentamos a net, a que horas estamos disponíveis para escrever, ou seja, a que horas nos irritamos, a que horas nos apaixonamos. A nota de Pacheco Pereira sobre os fins-de-semana tem igualmente a ver com isso — a busca de audiências não é menosprezável na maioria dos blogs, mas também acho isso natural, dependendo daquilo que cada um faz dos seus fins-de-semana e dos imperativos que transporta para os fins-de-semana (Pacheco Pereira sabe ao que me refiro).

A linguagem esconde o que quisermos escrever, mostra o que quisermos ler. Há sempre sinais.

2 Comments:

At 1:43 da manhã, Anonymous Anónimo said...

ninest123 09.16
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At 2:11 da manhã, Anonymous Anónimo said...

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ninest123 09.16

 

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