junho 16, 2003

LER OUTRA VEZ. A Cotovia acaba de publicar «Memorial de Aires», de Machado de Assis — Machado é um autor muito ignorado em Portugal. Não admira: como muitos outros brasileiros, faz parte da longa corte de nomes que existem mas longe demais. «Memórias Póstumas de Brás Cubas» é um romance admirável (eu sei, eu sei, «Dom Casmurro» é que é a obra-prima...), queirosiano antes de Eça, queirosiano apesar de Eça. «Ai, as flores de antanho!», dizia Brás Cubas. A ironia de Machado (podem ler-se as páginas de Abel Baptista sobre o autor) surpreende onde se espera a seriedade do clássico e a evocação do seu busto à porta da Academia Brasileira de Letras.

A modernidade de Machado (tal como a de Camilo em «A Brasileira de Prazins», por exemplo) raramente foi assinalada pelos académicos ou pelos preconceitos. Por isso é, talvez, importante ler os clássicos — do «Tristram Shandy» ao «Memorial de Aires» há um campo enorme de surpresas para quem pensa que o mundo nasceu anteontem, quando as «novas gerações» começaram a ler. Talvez assim se consiga distinguir aquilo que é malabarismo daquilo que é invenção pura, criação delirante. Quando leio Sterne, que é um dos meus autores, arrepio-me ao pensar no tempo que se perdeu a declarar «moderna» uma vasta categoria de romances que brincavam com a sintaxe ou a ortografia.

Devíamos começar por falar de Swift ou Sterne antes de dizer uma palavra sobre a desconstrução do romance. Fica-se «reaccionário» quando se descobre que o mundo não mudou muito nos últimos anos.

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