junho 16, 2003

PATRIOTISMO E DECÊNCIA: O tema mais desinteressante do mês é, necessariamente, o 10 de Junho e o discurso do senhor presidente da República sobre seja o que for. Não por causa do presidente, que fique claro, mas por causa do tema: o 10 de Junho não tem nada que se lhe diga, tirando o desfile dos condecorados, que parecem galardoados com os Globos de Ouro, mas mais tristes.
Eu não descobri, ainda, as fantásticas alegrias do patriotismo – mas conheci ao longo dos últimos vinte anos patriotas ilustres. Não lhes achei muita graça enquanto patriotas, embora os apreciasse bastante como pessoas que queriam o melhor para a sua pátria. Mas se querer o melhor para o seu país é ser patriota, não vale a pena gastar tantas páginas do dicionário nem tanta memória sobre glórias do passado: basta dizer isso mesmo – "quero o melhor para a minha pátria", como se isso significasse, exactamente, querer o melhor para o meu bairro, para a minha cidade, para a minha região, para o meu país.
De resto, o patriotismo nos discursos sempre me pareceu ter algumas semelhanças com o discurso vitorioso dos clubes de futebol: somos grandes, inacreditavelmente grandes, fantasticamente grandes, o nosso passado faz-nos rejubilar, louvemos a Pátria. Este cepticismo deve ser defeito meu, enquanto português, mas pelo menos leva-me a desconfiar do coro de aprovações em redor do discurso do presidente da República em Angra do Heroísmo. Falar de patriotismo é uma receita segura para obter unanimidades: quem se negará a ser patriota nos momentos difíceis?
Ora, o apelo do presidente a um "patriotismo moderno e democrático" tem água no bico. Em primeiro lugar porque não tem nada a ver com patriotismo. Tem, antes, a ver com decência – porque o que está a fazer falta ao país não é patriotismo, sardinha assada, vitórias da selecção, fado, Camões e Saramago. O que faz falta é, precisamente, decência – na forma como se tratam os juízes, como se tratam os cidadãos, como os titulares dos cargos públicos são responsabilizados pelas suas asneiras e deslizes, como se respeita o ambiente e o território, como se preserva a identidade e a cultura, como se tratam as crianças, como se lida com os números do desemprego, como se protegem os velhos, como se humanizam os hospitais, como se apoiam as famílias, como se impede o Estado de – sempre que pode – desrespeitar os cidadãos, como se corrigem os desvarios das cidades portuguesas, como se reparam as injustiças, como se castiga a corrupção, como se impedem os políticos e os empresários de nunca serem responsabilizados. O patriotismo não tem nada a ver com isto. O patriotismo não vale nada ao pé disto. Em vez de patriotismo moderno, o senhor presidente da República devia ter pedido exactamente isto, que é tão simples e tão mais moderno e útil para os portugueses – além de estar à vista de toda a gente, faltando apenas que alguém o diga com uma clareza insuspeita.
Ser patriota num país mal frequentado, como às vezes acontece com Portugal, não é vantagem nenhuma. Pelo contrário.

{texto publicado no Jornal de Notícias, JN