julho 10, 2003

SALINGER A A.A. do Crónicas Matinais fala do The Catcher in the Rye, que é um dos livros mais estranhos da literatura americana — não por ele próprio, mas pela sua história e pelo destino de Salinger, ou seja, o seu desaparecimento. Tenho com o nome de Salinger uma relação de respeito profundo e de admiração: aquele silêncio de anos incomoda e lança suspeitas sobre a sua misantropia, mas a verdade é que quem criou um personagem como Holden Caulfield não pode ser reduzido a essa condição. O livro, que marcou duas gerações americanas, pelo menos, há-de ter um mistério parecido com o de Um Vasto Mar de Sargaços, de Jean Rhys, por exemplo — anos depois de ter sido publicado e de ter contagiado uma geração de leitores, a BBC quis entrevistar Rhys, mas não a encontrou; vivia no campo, desconhecida, ignorada e isolada. Nem o editor conhecia o seu paradeiro. Evidentemente que o desaparecimento de J.D. Salinger contribuiu muito para o sucesso do livro (ao contrário do Um Vasto Mar de Sargaços, publicado em Portugal pela Difel e pelo Círculo de Leitores — que só foi redescoberto quando Jean Rhys apareceu na BBC), mas há nele uma antecipação do que seria feito depois por uma larga quantidade de autores dos anos setenta, em cruzamento com a guerra do Vietname e a geração perdida desses tempos. Mas nada igual; uma das razões tem a ver com a eleição do The Catcher in the Rye como objecto de culto. A última vez que ouvi falar dele foi numa crónica de Sérgio Augusto, no Brasil, a propósito da sua primeira aventura americana: com a cabeça cheia de cinema, de marxismo, de Faulkner e provavelmente de muito jazz, Sérgio entrou na América com a sensação de ter em The Catcher in the Rye um manual do rebelde. Estranhamente, nesses anos (setenta…), era assim. Hoje, o livro tem um sabor danado, que o aproxima muito de Jimmy Dean e o afasta dos rebeldes com causa. A vantagem dessa rebeldia sem causa é enorme e inestimável. Não tem de pedir desculpa pelos abusos.