agosto 08, 2003

EQUÍVOCOS SEM IMPORTÂNCIA. Leio alguns blogs a propósito de incêndios e vejo como se pode ser mal lido. Talvez tivesse eu escrito mal. Há um certo gosto nacional pela comiseração que se assemelha à piedade sem escrúpulos; a visão do sofrimento desarma-nos. Somos boas pessoas, temos sentimentos, o sofrimento dos outros comove-nos, retira-nos azedume. A televisão amplia esse desespero dos que «ficaram sem nada», dos que viram arder as casas e perderam anos de vida. E dos que perderam a vida (a propósito, como pôde o deputado Guilherme Silva distrair-se daquela maneira?). E a piedade entra-nos no coração. Esquecemos todas as críticas, procuramos um culpado, empurramos as razões para debaixo do tapete da culpa. É aí que começa o verdadeiro problema.
Portugal é o culpado. Mas nesses momentos é necessário, rigorosamente, recomeçar. Chorar; mas recomeçar.
Lembro-me do terramoto do Faial; das imagens da televisão, do ruído das rádios, da piedade dos líderes. E lembro-me de nessa altura ter recebido um mail do Onésimo Teotónio de Almeida, contando como, um dia depois, reuniram cobertores, comida, roupa, medicamentos, como meteram tudo num avião em Boston. Nesse mesmo dia procurei «dar a minha contribuição» e fiquei preocupado: numa tarde tinham aparecido apenas oito pessoas a perguntar o que podiam fazer, como podiam ajudar. Hoje, as aldeias do Faial apresentam ainda esse estado de ruína e de casas pré-fabricadas (tudo ao contrário, aliás, do que aconteceu depois do terramoto de Angra), não se recomeçou. Como é possível que, passados estes anos, o Estado tenha esquecido os seus deveres mais elementares para com estas pessoas? [Sim, eu sei; porque é o Estado.] E como é possível que o processo de reconstrução não tenha mobilizado a «sociedade civil», que seria o mais importante? Por isso, quando vejo os rostos da televisão, a chorar, vejo também a inércia que pode aproximar-se, a pequena comiseração. E penso no Faial (mesmo que entretanto tenha acontecido Entre-os-Rios).