agosto 03, 2003

LATE NIGHT BLOGS. Às vezes, e isso não é só por causa do calor, escreve-se mais. Há vento, finalmente, a esta hora. Eduardo Prado Coelho escrevia recentemente sobre os blogs, no Público, acentuando o seu (dos blogs) lado mais libertino. Para Eduardo, há um problema a ter em conta, o de muitos dos bloggers «se sentirem autorizados a escreverem» sobre o que quer que seja. Não sei se isso é mau. Antigamente, antes de poder escrever «uma opinião» era preciso passar por uma série de rituais, etapas, trabalhos, sanções, ajustes, aprendizagens públicas, etc. Mas tratava-se da imprensa, onde deve existir essa série de exames e de admissões; não de blogs. Os bloggers escrevem. Muitos deles (ao contrário das preocupações que o Eduardo anota) nem sequer se preocupam em ser conhecidos ou em mostrar o seu nome. Pelo contrário: há na revelação do nome (em casos como o de Pacheco Pereira, Bragança de Miranda, etc.) o reconhecimento de uma proximidade com autores anónimos que escrevem porque escrevem e porque ninguém pode impedi-los, nem a moral nem os sacerdotes (apenas nós podemos não lê-los). Que escrevem porque estão acordados a meio da noite e escrevem com e sem esperança, com insónia ou com medo, com preocupação ou à medida que assumem o direito a serem humanos, inteiramente humanos. Ter nome ou não ter nome é — tirando essa revelação de humanidade — um assunto sem interesse. Nem sei se é moda, isto dos blogs. Nem me interessa. Dura enquanto durar. De vez em quando, a meio da noite, no meio das insónias, penso em não voltar — porque cada palavra que se deixa no blog é um recado. E, quando não é um recado, pode ser lida como um recado. E porque há desânimos inexplicáveis, tal como há entusiasmos adolescentes. E porque vamos envelhecendo e a energia varia consoante o que se já se escreveu, o que já se leu, o que vamos adivinhando no mundo das previsibilidades. Dura enquanto durar. Depois acaba, como tudo. Mesmo se este Verão for aquele — para retomar a crónica de EPC — que mais tarde retomaremos com aquela pergunta: «Lembras-te daquele Verão em que se falava muito de blogs?» E se for assim? E se um milhar de portugueses tiver descoberto neste Verão — mesmo que seja só neste Verão — o prazer adolescente de escrever, de dizer, de mostrar uma frase, de deixar um recado? E se for assim, onde está o pecado? Teremos de transportar connosco a mágoa da eternidade?
Aliás: não é preferível recuperar a adolescência de vez em quando a seguir o curso daquele envelhecimento inevitável que nos torna mais impacientes, casmurros, cínicos? Por isso, dura enquanto durar, escreve-se todos os dias ou só de vez em quando, escreve-se sobre livros ou sobre o amor perdido, sobre música ou o amor reencontrado, deixa-se uma citação de que se gosta ou uma citação que se finge conhecer de há muito. Não é isso mais saudável do que tentar enganar a eternidade fingindo que só se escreve para a eternidade?
E outro pormenor: a preocupação com a audiência. Não deve isso ser um critério flutuante? Há quem goste do «sitemeter» e quem recuse (como eu). Há quem aceite comentários livres e quem não queira. É isso tão determinante? E é assim tão grave se andarmos aqui a escrever uns para os outros, na «blogosfera», essa «ondulação estival»? Para quem se há-de escrever? Para quem cá anda, para quem aparece, para quem pisca o olho e diz «ontem li o teu texto» ou para quem vem às escondidas, para quem telefona, para quem se importa. «Escrevem uns para os outros.» Não me lixem. Claro que escrevemos uns para os outros. Claro que escrevemos para os outros. E, dado que o mundo é como é, escreve-se sobre política, sobre incêndios florestais, sobre Salinger, sobre música, sobre comida, sobre charutos, sobre o que passa, sobre os outros.