PORTUGAL, ENTÃO. 3 O Cruzes, Canhoto! não gostou do texto «Portugal, então.» E escreveu: «Sim, há boçalidade, estupidez, sobranceria em Portugal. Mas nunca notei que fosse em quantidades superiores aos de outros países. São os italianos que têm mais acidentes de trânsito, os holandeses que mijam a cada esquina, os franceses que votaram no Le Pen, os alemães que fizeram o Holocausto, os austríacos que deram uma mãozinha e nunca pediram desculpa, os espanhóis que matam as mulheres à pancada, os ingleses que inventaram as Spice Girls, os suíços fazem referendos sobre que famílias emigrantes expulsar do país e os americanos têm o Jerry Springer Show. Aliás, é de lembrar que os formatos dos programas em que o Aviz se inspira para caracterizar o país foram todos inventados, testados e bem sucedidos nos maravilhosos países estrangeiros. Portugal é um país pequeno, com poucos recursos, que tem feito profundos esforços para sair do obscurantismo onde esteve encerrado cinquenta anos por um reaccionário beato. Tem baixos níveis de educação, baixo poder de compra, pouca participação cívica e pouco associativismo, além de propensão para o hipercriticismo e para mitificação de tudo o que é estrangeiro. Fora isso é tão medíocre como os outros.»
Vamos por partes, que é como deve ser. Quanto à «boçalidade, estupidez e sobranceria», caro J., não mencionei níveis nem quantidades — citei um mail de um amigo. Não comento as boçalidades e infâmias que fizemos ao longo da nossa história, para que possa compará-las com as votações em Le Pen ou com a esclada de Hitler. «Boçalidade, estupidez e sobranceria» existem em todo o lado — basta ver o Jerry Springer, para não ir mais longe, basta ir à louvada Itália para apreciar Berlusconi. Não vou cair nisso de comparar boçalidades. Depois, não me inspirei em nenhum «formato de programa» para falar de televisão (nem no Jerry Springer — que a TVI imita —, nem na Endemol): escrevi apenas — «televisão». E, com isso, quero dizer telejornais; o resto são «programas» e «formatos». Telejornais e ignorância pura, boçalidade, estupidez e sobranceria na televisão. Posso não gostar, não?
Quando à «evolução portuguesa»: Portugal fez um enorme esforço para ultrapassar as deficiências, atrasos e mediocridade — e não apenas em relação ao «reaccionário beato», mas em relação à própria cultura portuguesa. Em duas décadas, Portugal mudou mais do que todos os outros países europeus; fez em dez anos (os dez anos que apanham o cavaquismo, sim) as reformas que muitos outros países levaram várias décadas a percorrer — na universidade, no consumo, na sexualidade, na literatura, na economia, nos comportamentos sociais, na família, etc. Em dez anos (sobretudo com esses dez anos — o que não faz de mim um cavaquista), Portugal ultrapassou com velocidade muitas das barreiras que outros países europeus fizeram saídos da II Guerra. Em dez anos começámos a falar — na televisão — de tudo. E, antes disso, caro J., Portugal fez uma coisa notável: recebeu, em três meses, um milhão de pessoas vindas de África — e essas pessoas, muitas delas marginalizadas, com caixotes de velharias trazidas nos porões, mudaram muito do que era Portugal: modernizaram a indústria no interior do país, chocaram a pequenez das nossas províncias, abriram brechas na «solidez moral» da «nossa terra». Portugal foi um herói. Sinceramente.
Mas desenvolvemos, também nesses dez anos, uma razoável indústria da corrupção e um interessante sentimento de impunidade (que pagaremos: a Expo’98, o Euro 2004, etc); tendo feito uma revolução nas mentalidades (provavelmente, caro J., o «beato reaccionário» já foi esquecido há muito e a sua influência é bem capaz de ser muito remota), não a fizemos na justiça nem no sistema político. Ser tão medíocre como os outros é capaz de ser razão para ficarmos satisfeitos. Mas não me parece, sequer, que seja assim; podemos defender a nossa «boçalidade», a nossa «estupidez» que Sena nunca viu desaparecer só porque veio a democracia. Mas isso é outra conversa. Não vou comparar os nossos defeitos aos dos outros — o que eu escrevi, o que deixei escrito, caro J., é que pessoalmente não me enterneço com eles. Não me peça para emudecer de ternura diante das marchas de Sto. António ou do S. João. Eu não impeço ninguém de saltar para a rua a esganiçar-se, «ó que lindo é o nosso bairro», «manjerico, manjerico, etc.». Em momentos de insanidade até posso achar graça. Mas não me emociono com isso. E perguntei, antes: temos mesmo de gostar da nossa terra? Deverá ser excluído um português que acha muitos vinhos chilenos ou australianos, ou californianos (eu podia dizer italianos ou franceses, mas nisso não me apanham), melhores do que os nossos? Terei de gostar de ler as entrevistas com a D. Filomena Pinto da Costa ou a ex-Albarran, só porque a imprensa americana fuzilou aquele candidato democrata que passeava com namoradas no barco ou o procurador Starr quis saber tudo sobre os hábitos sexuais de Clinton? Terei de me confortar com Herman José só porque «é nosso» — porque o humor da televisão mexicana está abaixo de cão? Ou, quando a TVI levar o mago Alexandrino ao «Jornal Nacional» terei de me censurar e calar, só porque um canal de televisão alemã faz coisa parecida? Terei de me contentar com a arquitectura suburbana de Lisboa e do Porto e de manifestar a minha saudade pelas «nossas coisas»? Foi isso que eu disse. Aliás, ainda lá está. Nunca disse que éramos piores do que os outros. Mas, mesmo assim, defendo que temos o direito de escolher a nossa terra. É uma perspectiva como qualquer outra.
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