outubro 07, 2003

OS PORTUGUESES ACHAM QUE. A sondagem sobre o que os portugueses pensam do Papa, que veio nas páginas do Público, é incómoda. Sobretudo quando ouvi os seus números apresentados na rádio, logo de manhã, com aquela frieza que os noticiários requerem: «Os portugueses acham que o Papa deve abdicar.» Concordo com o que o José Pacheco Pereira escreveu sobre o assunto, independentemente do que possa pensar sobre «o alcance do seu pontificado». Há, naquela figura doente, gasta, frágil, a marca de uma humanidade difícil, o gesto desse derradeiro esforço em sobreviver. Não é agradável, essa imagem — é o retrato daqueles que escondemos longe da vista, em lares, hospitais, na sombra, na escuridão. O Papa deu-lhes um rosto, o seu. E lembrou o rosto de todos os outros, que estão na escuridão.
Ao ouvir esta manhã que «os portugueses acham que o Papa deve abdicar», devíamos perguntar-nos sobre o que incomoda os portugueses naquela imagem doente, e que contrasta com a «boçalidade juvenil», o apelo à eterna juventude, à vitalidade sem barreiras nem interrogações. Acontece que «os portugueses» que acham que o Papa deve abdicar são, na sua maioria «não-católicos» ou «católicos não-praticantes»: para eles, o Papa é uma figura decorativa, um emblema, o ícone de uma fé que interrogam episodicamente. E lembro-me dos debates absurdos que se leram na blogosfera sobre «religião & política», em que quase toda a gente falava de «política», do «Deus de Bush» e de «clubismo» — lembram-se?
E, de repente, «os portugueses» que «acham que o Papa deve abdicar» pareceram-me pequenos monstros que preferiam ver o Hugh Grant no Vaticano: um emblema, um rosto agradável, um riso, só isso, um atleta.