outubro 01, 2003

PATRÍCIA MELO. Para quem nunca leu Patrícia Melo, acho que tanto eu como o Jorge Marmelo podemos dar o nosso nome. Os livros de Patrícia são retratos violentos sobre a violência e a amargura; e escritos pela mão de uma mulher muito inteligente (edição brasileira de todos eles na Companhia das Letras; edição portuguesa na Campo das Letras). O mais recente, Valsa Negra (Companhia das Letras, 242 págs.), ultrapassa tudo isso. Um «director de orquestra», um maestro (Patrícia casou recentemente com um…) vive com Marie, muito mais nova, depois de um casamento de vinta anos com Teresa, de quem tem uma filha, Eduarda. Ela, Marie, é judia. Ele é goy, gentio. Moram em São Paulo. Ele tem uma obsessão: ser traído. Traído por Marie com outro homem (um violinista, um trompete, um violoncelista, um maestro visitante), traído por Marie com o seu passado, mas, sobretudo, traído por Marie com o judaísmo. Marie guarda recortes de jornais sobre Israel e sublinha livros sobre judaísmo; ele vigia essa atenção, tem ciúmes dessa atenção; em cada citação sublinhada por Marie, ele vê uma traição e uma acusação (aos não-judeus, aos goyim. O livro está cheio disso: de traição, ressentimento, sexo (bastante, muito), suicídio. Do princípio ao fim do livro, o maestro destrói aos poucos todo o seu mundo e o mundo dos que o cercam ou dos que o tocaram alguma vez: mulheres, músicos, familiares, simples conhecidos. É uma história angustiante de auto-destruição sobre o amor e o ódio, que se vão transformando, lentamente, em sentimentos bizarros. Um dos livros mais negros que li nos últimos tempos. Mas até nisso Patrícia Melo é talentosa. Ao fim destas 240 páginas apetece fechar o livro, fechá-lo mesmo — mas não esquecer. É uma sensação estranha, esta, de recusá-lo e de gostar de o ter lido (está muito mais próximo de Acqua Toffana). E voltamos a Elogio da Mentira, O Matador ou Inferno. Nos seus retratos de violência, são muito menos violentos do que este Valsa Negra.