outubro 04, 2003

PORTUGUÊS SUAVE. Sou fumador. Não fico contente com isso, mas não dou lições de moral sobre a matéria — escusam de me mandar mails convidando-me a largar o vício. Mas fico triste por saber que o Português Suave deixará de se chamar Português Suave em breve para se designar, apenas, de Português. O Português Suave é o símbolo do velho fumador português, o homem que desconfiava dos cigarros de filtro. Com o desaparecimento dos velhos cigarros sem filtro, como o Três Vintes (uma das mais belas embalagens de sempre dos cigarros portugueses), o Paris (para não falar dos Definitivos, dos Provisórios ou dos Kentucky). Com a evolução do mercado desapareceram marcas emblemáticas; ao acaso, lembro os Kart («quilómetros de prazer», king size e normal), os Sagres, os Ritz nos dois formatos, gigante e normal, os Tamariz, os Monserrate, os Porto (que o meu pai fumava, antes de mudar para o Ritz, para os SG Gigante e, depois, deixar de fumar), os Sporting, os Sintra, os Negritas, os 2002 Control, os CT, os Díli, os Marujo, entre tantos outros. Um dia, em Nampula, em viagem, encontrei um dos mais fantásticos resíduos dessa indústria antiga e fatal: um painel gigante, assente nas ruínas do velho Hotel Nampula (um despojo da guerra civil) — «LM, o cigarro do desportista». A «indústria do mal», tal como o «império do mal», está sob fogo cerrado. O Português Suave resistiu enquanto pôde, mas a legislação comunitária impede designações como light, suave ou outras que possam indiciar que «fazem menos mal». Que eu saiba, no parlamento europeu (o Pacheco Pereira que me corrija), só o grupo de eurodeputados do PCP protestou na altura contra esse ataque ao Português Suave. Os legisladores não podem condoer-se diante dessa peculiaridade — um «português suave» mesmo (lembro um dia em que Caetano Veloso, em Lisboa — ele fumava, sim —, comprou maços e maços de Português Suave para levar para o Brasil). Esse «suave» não significa «light». Não é, sequer, uma desinência. É uma marca. Não levem a mal, mas esta também é uma razão para forçar o referendo à constituição europeia. Não é para chumbar seja o que for, por princípio. É para eles saberem que têm de pagar um preço por nos tirarem o «Suave». São uns chatos. Uns merdas. Uns merdosos.