outubro 13, 2003

PÉREZ-REVERTE. Depois de um livro destes (vai a meio) uma pessoa devia respirar outra vez, mas não sei se consegue. O A Rainha do Sul, de Arturo Pérez-Reverte (edição Asa, 440 págs.) é um romance que também não convém ler depressa porque é tão bom, tão bem escrito, tão «saboroso» (sim, cheio de sabores), que dá pena acabar um capítulo só para se continuar a ler a investigação fantástica de Reverte sobre Teresa Mendoza, a namorada de um operacional do narcotráfico mexicano, Güero Dávila (e, depois, de Santiago Fisterra, outro fabuloso contrabandista galego a operar entre Algeciras e Gibraltar). Teresa, la Mejicana, é uma personagem fantástica e a reconstituição que Reverte constrói na primeira pessoa (citando entrevistas com personagens reais em lugares reais — de ex-polícias e jornalistas, a escritores, como Manuel Rivas — e com documentos verdadeiros) é uma peregrinação policial superior. Esse mundo extraordinário que vai do San Angel Inn, em México DF (onde o director do diário La Reforma lhe propõe que escreva a sua investigação sobre Teresa — o San Angel é um restaurante que não se deve perder, come-se lá o melhor da gastronomia mexicana, já agora), passando por Sinaloa, Culiacán, por Melilla, Algeciras e Gibraltar, misturando a luz e a cor de Marrocos com personagens espanhóis (e irlandeses, e russos) que parecem relâmpagos numa noite de Verão, encontrou um narrador à altura. Construído no limite, transformando criminosos em actores fascinantes (Güero Dávila, Epifanio Vargas), revelando aqui e ali pormenores sobre o narcotráfico no consulado mexicano de Salinas, cheio de avionetas ilegais, de amores excessivos e de uma delicadeza surpreendente (pelo tema e pelas circunstâncias da própria biografia de Teresa Mendoza),A Rainha do Sul é uma revelação a conservar durante alguns dias em cima da mesa.