outubro 15, 2003

TELEVISÃO E PARVOÍCE. O mail de Jorge Camões levanta a questão da televisão. Vale a pena pensar no assunto — mas em regime de permanência. As televisões fornevem uma explicação para essas «ondas de parvoíce»: aquele país razoavelmente interessante, de que se fala de vez em quando, acabou. As elites, incultas e sórdidas, valorizadas na medida em que são muito incultas e ainda mais sórdidas, deliram com o espectáculo. O Estado demite-se da única responsabilidade que, em boa verdade, devia ter – proteger os cidadãos; em vez disso, o Estado detesta os cidadãos, odeia os cidadãos, é alérgico aos cidadãos. Que televisão queriam para esse país?
A televisão está como está por culpa das elites que se demitiram. Porque a mediocridade da classe dirigente é tão escandalosa que ninguém se atreveu a denunciar o baixo nível da nossa vida pública. Porque essa mediocridade se instalou nas universidades onde meninos selvagens e de imbecis se exercitam nas «praxes académicas» em vez de serem detidos pela polícia de costumes. Essa mediocridade instalou-se na vida política de formas tão subtis ou tão explícitas que é absurdo protestar sem correr o risco de ser alvo de chacota; instalou-se na vida cultural, onde se promovem fraudes com o patrocínio de hierofantes hirsutos, cheios de si e do seu poder, imunes a qualquer denúncia; instalou-se, naturalmente, na televisão, onde bandos de jornalistas incultos, incapazes de pronunciar correctamente frases de português médio, inaptos para escreverem, diminuídos na sua capacidade de aprender, estudar ou investigar, aparecem promovidos nos ecrãs. A mediocridade instalou-se na escola, em geral – onde se «facilita a vida» aos meninos e meninas, e onde (apesar do esforço dos professores) os ministérios de burocratas nunca conseguiram impor uma cultura de rigor e de excelência. Em vez disso preferiram uma escola «destinada a formar cidadãos», esquecendo-se que não há cidadãos de pleno direito incultos e com má preparação científica. É uma mediocridade que deve tudo à classe dirigente do país, a uma canalha sórdida com mau sotaque e hábitos preguiçosos, incapaz de recitar um verso de Camões ou de escrever sem erros ortográficos uma redacção de segundo ciclo.