UMA ONDA DE PARVOÍCE. Tal como o Nuno Mendes alertou no seu blog, o Klepsydra — para quem ainda não tenha lido um texto do Público — uma onda de parvoíce continua a banalizar e desvalorizar o ensino do Português nas escolas. Cito, para terem a certeza: «No manual “Comunicar” de Língua Portuguesa do 10.º ano, da Porto Editora, no capítulo dedicado a textos pragmáticos, é apresentado o regulamento do concurso televisivo Big Brother. Ao lado estão fotografias de ex-concorrentes, sós ou a dar autógrafos. Aos alunos é proposto que, "em diálogo com os colegas da turma", refiram o que "já conhecem sobre este concurso" e que, após a leitura do regulamento, emitam "um parecer sobre o mesmo".» Só isto bastaria para sorrirmos — caso não apetecesse desejar que a onda de parvoíce alastre para provarmos que Portugal merece isto.
Maria do Carmo Vieira, professora de Português na Escola Secundária Marquês de Pombal, de Lisboa, fez uma análise dos vários manuais disponíveis para adopção no 10º ano à disciplina de Português B — e descobriu esta pérola. O Público explica: no dossier «Textos dos Média», são reproduzidas grelhas televisivas e um passatempo da TV Guia, a que se dá o nome de «Testenovela». Maria do Carmo Vieira bem se queixa, e com toda a razão, quando diz que parece estar a vingar a ideia de que «o correcto é respeitar o discurso que os alunos trazem para a escola. Assim surgem os Big Brother, as entrevistas com Herman José (manuais da Areal e Constância), as programações divulgadas pela TV Guia». Mas o mais escandaloso é a resposta do presidente da Associação de Professores de Português, Paulo Feytor Pinto, quando lhe perguntaram a opinião sobre a presença do regulamento de um concurso televisivo da TV Guia: «O regulamento está lá só para entreter ou não? Se, por exemplo, é apresentado para se chegar a algo de maior — como o regulamento da nação, a Constituição da República Portuguesa —, então se calhar não tenho objecções.» Excelente: do Big Brother à Constituição da República. Do Canal 18 ao dr. Feytor Pinto.
As autoras do manual, por seu lado, defendem-se: «O que é pedido ao aluno não é que discuta o concurso na aula, mas que analise um modelo textual específico [o regulamento do Big Brother], tarefa que, na nossa opinião, seria bastante dificultada se este tivesse que se pronunciar sobre o regulamento de um concurso que, eventualmente, desconhecesse. O que se sugere (de acordo com o novo programa da disciplina) é uma análise da componente linguística do texto a partir da mobilização de conhecimentos anteriores que, neste contexto, podem revelar-se úteis à análise em causa [o regulamento do Big Brother], garantindo algum grau de eficácia ao objectivo de escuta.»
Esta onda de parvoíce devia ser corrida das escolas. É demasiado cruel para ser verdadeira. É Portugal no seu melhor, com o ensino entregue à rapaziada, valorizando a imbecilidade, o banal, o vulgar — em detrimento do conhecimento, do rigor e da cultura, destinando as aulas de Português à discussão do regulamento do Big Brother — já que lhe retiraram Vergílio Ferreira e Gil Vicente, por exemplo. Teresa Guilherme sempre é melhor; está ao nível.
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