novembro 19, 2003

DUAS PALAVRAS. O Duas Linhas pede, no seu blog, que eu dê a minha opinião sobre o interessante artigo de Tony Judt na The New York Review of Books. Sinceramente, só há duas novidades no texto em relação ao que Judt tinha escrito antes, e isso deve-se à velocidade que as coisas tomaram: 1) O sonho sionista foi frustrado nas suas ambições e nos seus objectivos a ponto de tornar-se um anacronismo; 2) assistimos ao enterro da solução «dois estados-dois povos». A ideia do «anacronismo» é, por outro lado, muito duvidosa: não pode pedir-se a Israel que seja um «estado judaico» à medida do contexto de 1948 e, simultaneamente, acusá-lo de ser «predominantemente teocrático» em vez de «democrático» por manter algumas das linhas do «sonho sionista». Até ao ressurgimento da extrema-direita israelita (com o sucesso do Shaas e do NRP — este, o mais perigoso, sem dúvida) a orientação geral ia no sentido da definição de Israel como estado democrático; de certa forma, o assassínio de Rabin e a emigração maciça de judeus vindos do Leste da Europa, onde tinham sido perseguidos e chacinados nos regimes comunistas e anti-semitas, correspondeu a esse abismo letal que reconduziu à discussão sobre «o Israel bíblico». Só quem nunca assistiu a discussões sobre o assunto, entre colonos e imigrantes dos partidos haredim, é que ignora o problema. A verdade é que o «sonho sionista» actual correspondeu a um período histórico pós-1939-1945, mais do que ao sonho de Herzl — o sionismo de Ben-Gurion não tinha nada a ver com o sionismo do «grande Israel Bíblico». Não querendo partir do princípio de que existe uma «virtude democrática garantida», não é possível esconder aquilo que Judt esquece só porque vive nos EUA: Israel é a única sociedade democrática (com imprensa livre, com liberdade de expressão e onde os governos podem cair por vontade popular expressa) em todo o Médio Oriente e essa é também a sua fraqueza no contexto do actual «perdão aos tiranos» e do fascínio pelo terrorismo. A segunda ideia de Judt — a de que a solução «dois estados-dois povos» perdeu a oportunidade — parece-me completamente estapafúrdia. Creio, mesmo, que não há outra solução senão essa, daí ser necessário defender a criação de um estado palestiniano democrático, com instituições políticas estáveis e uma economia que dependa dessa estabilidade.