novembro 04, 2003

FUTEBOL E GLÓRIA NACIONAL. O António Pedro Vasconcelos, numa entrevista de domingo — à Notícias Magazine diz que uma vitória do Benfica lhe faria bem à alma, o que é perfeitamente compreensível (quando o Benfica ganha, diz APV, o dia corre-lhe melhor). Diz também que uma «vitória do Benfica» faria bem a Portugal e aos emigrantes. Evidentemente que é compreensível. Os seis milhões e meio de portugueses (sete milhões, aliás, segundo a última medição do prof. Seara, que ouvi na SIC) rejubilariam e o País andaria melhor. Também não tenho dúvidas. Simplesmente, estou-me nas tintas para a saúde mental de sete milhões de portugueses. Bola é bola, futebol é futebol, selva é selva, política é política. Há cerca de duas semanas, durante um jantar que reuniu «empresários de futebol» (uma categoria distinta) e «empresários da comunicação» (uma categoria em descrédito) disse-se mais ou menos isto: «Ou o Benfica ganha um campeonato ou o negócio começa a dar prejuízo.» Eu acho isto perfeitamente compreensível; daí que os títulos cada vez mais indecorosos de A Bola e às vezes do Record não me surpreendam. Seis milhões e meio («stete», murmura o prof. Seara) de potenciais compradores de jornais e de ouvintes e telespectadores são um negócio nada negligenciável. Ainda há poucos dias um cavalheiro sensato (e sportinguista), com responsabilidades públicas, me confessava: «Se eu mandasse, o Benfica ganhava o campeonato. Estamos a precisar.» No entanto, para mim, bola é bola. Gosto de futebol mas acho que estamos a atingir o limite da paranóia — da inauguração do estádio da Luz aos títulos de A Bola ou do Record, passando pelas eleições do Benfica (que mobilizaram 12 000 pessoas, que foram apresentadas como «uma vitória da democracia», que mereceram sondagens da televisão «à boca das urnas» e que foram transmitidas para todo o mundo), os sinais são preocupantes. Esta «necessidade de uma vitória do Benfica» a todo o custo constitui um retrato mauzinho do País inteiro. É-me indiferente que o Benfica ganhe o campeonato se marcar mais golos e jogar melhor (no sentido em que Karl Krauss dizia que determinado personagem, que me escuso a citar, lhe era indiferente: não lhe fazia pensar em nada); prefiro que, em idênticas condições, seja o meu clube a ganhar, evidentemente. Não tenho nada a ver com a «condição moral & anímica» do benfiquismo, mas — também aí — acho que há gente que vai fazer tudo para jogar com dados viciados. Que rico país.