novembro 30, 2003

O ESTADO E OS ESCRITORES. Instalou-se algum burburinho em redor de um texto de José Pacheco Pereira sobre «O Escritor como Funcionário Público». Um dia participei num debate da SIC sobre a matéria e estava do outro lado do que Pacheco Pereira defendia — o fim das «bolsas de criação artística» para escritores. A razão porque então defendi (estávamos em 1995) essas bolsas era fácil de ver: o Ministério da Cultura e os institutos tutelados pelo MC atribuíam (e continuam a atribuir) bolsas, subsídios e apoios financeiros ao teatro, ao cinema, às artes plásticas até aos desfiles de moda; o fim das «bolsas de criação artística» para escritores configurava uma espécie de corte selectivo — deixando de fora (ou mantendo «dentro») o pessoal do teatro e do cinema, ou seja, da indústria. Ou seja: alimentava-se uma vasta corte de funcionários na área das «artes visuais» e «do palco» que se achavam investidas do direito divino ao subsídio. Para eles, raramente se falava em cortes ou no fim dos subsídios.
No caso dos escritores, o principal problema tinha a ver com a selecção dos projectos, evidentemente: era absurdo atribuir uma bolsa a alguém que nunca tinha escrito um livro — mas foi isso mesmo que se fez. E também era absurdo atribuir uma bolsa ao escritor fulano ou à romancista fulana só porque o seu nome evocava «enormes contributos à literatura do nosso tempo» — o que os dispensava, em muitos casos, de apresentar prova de que tinham escrito fosse o que fosse. Há excepções claras a esta situação, e alguns autores foram honestos ao ponto de mencionar, nos seus livros, que os tinham escrito graças a uma bolsa.
A questão, aqui (na nota de JPP), não é a das bolsas — mas sim a ideia do direito dos escritores ao apoio do Estado, e a de que sem o apoio do Estado a literatura portuguesa desaparece. Ora, eu sou pelo desaparecimento dessa literatura portuguesa apoiada pelo Estado e que só sobrevive com o apoio de subsídios (e do teatro também), porque não me parece justo que o Estado ande a subsidiar «criadores» que têm medo de arriscar (e, mais do que isso, acreditem, de correr qualquer risco na literatura como na vida) e que pensam ser dever do Estado apoiar a sua preguiça intelectual, a sua inflexibilidade e uma sobranceria agressiva que se vai tornando congénita e doentia à medida que os anos passam — além desse direito divino ao subsídio.