novembro 01, 2003

TODOS SOMOS CULPADOS. De facto, isto não é rigorosamente verdade. De facto, não é minimamente verdade. Mas essa expressão, «somos todos culpados» (retiro este refrão ao Zé Diogo Quintela, que comentava a «comunicação ao país» de Catalina Pestana), está a ser mais utilizada do que seria normal. Há coisas de que «não somos todos culpados», e uma delas é o escândalo da Casa Pia. Os «culpados» chamam-se responsáveis políticos pela Casa Pia. Foram muitos ao longo dos anos; muitos deles souberam o que se passava; calaram-se; abafaram rumores e processos disciplinares; afastaram os protestos e os mensageiros dos protestos; encolheram os ombros ou minimizaram a história; preferiram a «estabilidade da instituição» ao esclarecimento, à investigação e à punição. Não vejo melhor definição do que foi o «bloco central». A Casa Pia é uma antecâmara da covardia e da abjecção; secretários de Estado, directores-gerais, inspectores, directores, todos os que souberam ou suspeitaram, e não fizeram nada — esses sim, são culpados. Como são culpados os que — sabe-se agora — investigaram o processo dos «ballets blue», na década de setenta, e esqueceram o caso. E os magistrados e juízes que mexeram no processo e «não se lembram de nada» (como aquela juíza de Cascais, de memória flutuante). E, evidentemente, aqueles que devem ser julgados por terem de facto praticado aqueles crimes. Aqui, a acusação é dupla: do ponto de vista moral, que deve chamar-se à discussão (o Estado tomou conhecimento de um crime ou de indícios desse crime e não tratou de tornar imprescindível a investigação sobre a Casa Pia); e do ponto de vista legal, que é prioritário na matéria.

Corre hoje por aí fora a ideia — até pela origem de classe, interesses profissionais, formação académica, etc., dos autores dos comentários — de que o que está em causa é sobretudo a «natureza da prisão preventiva», as ameaças da «república dos juízes» e o carácter do MP. Pode estar, sim, e é bom que se trate do assunto. Mas não deixa de ser interessante ver como os interesses corporativos se sobrepuseram, ao longo destes vinte ou trinta anos, à ideia da «necessidade do inquérito» que ia sendo sucessivamente desvalorizado depois de avaliada a «qualidade das testemunhas». É o mesmo método que está hoje a ser utilizado.

Com isso, tem aparecido um interessante argumento, que já vi escrito várias vezes: o de que a investigação à Casa Pia configura uma «perseguição moral», misturando «pedofilia» com «abuso sexual», «abuso sexual de menores», «formação de rede criminosa», «abuso de menores», «homossexualidade», «pederastia», etc. Ora, o que está aqui em causa é uma única coisa: «abuso sexual de menores» e consequente «formação de rede criminosa». Trata-se de um crime que, esse sim, é cometido contra todas as crianças, com a agravante de essas crianças terem sido confiadas à guarda do Estado — e o Estado não cumpriu a sua obrigação. Ninguém tem nada a ver com a «orientação sexual» de seja quem for; nem o Estado, nem a vizinhança, nem a imprensa. Mas é o Estado que também está no banco dos réus, e de que maneira — e não por motivos de ordem moral.

Este trabalho de desvalorização do processo, da investigação e das testemunhas faz-se independentemente da «qualidade das testemunhas», da existência de «falhas na investigação», do «papel do MP» (entretanto comparado à PIDE e à Gestapo, acusação que dá bem a imagem do aviltamento e da parvoíce que toca a todos), etc. É um trabalho de diluição do próprio caso: lento, paciente, corajoso, esse «trabalho em curso» tem objectivos muito claros. Apagar o processo é o mais ousado, mas vai por etapas. Depois da montagem da famosa «tese da urdidura» nem era preciso dizer mais.

Como a memória costuma ser curta, eu recomendaria que se escutassem — de novo — as declarações dos teóricos, patrões ou sobreviventes do Bloco Central e dos seus interesses, no princípio deste Verão. Essa onda de protestos, indignações, ares escandalizados e quase «maioria moral», merece ser vista e revista. Precisamente porque estão lá todos os sinais, a que acabou por associar-se involuntariamente a prestação do Presidente durante a sua jornada açoriana do 10 de Junho (com o «patriotismo moderno e democrático» e outras ideias ainda não esclarecidas a propósito da «dignidade dos políticos») — ainda por cima atiçada pela recordação da aministia (perdão de pena, aliás) dos 25 anos do 25 de Abril.

Evidentemente que não há coincidências. Que não se podem erguer e reerguer permanentemente teorias da conspiração sobre este caso. Que é manifesto o perigo do aparecimento de uma «onda de justiceiros» a sobrepôr-se a tudo. Mas há qualquer coisa aí. Ia a dizer «qualquer coisa que nos escapa». Mas não é verdade.

2 Comments:

At 4:09 da manhã, Blogger ouch said...

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At 8:22 da tarde, Blogger yanmaneee said...

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