ANTI-SEMITISMO. [Actualz.] Depois de ler o relatório sobre o anti-semitismo europeu — que a UE não quis publicar (Manifestations of Anti-Semitism in the European Union. First Semester 2002, draft de 20 de Fevereiro de 2003) — vejo que não traz grandes novidades. Regista o tom geral, que já se conhecia mas que não aparece nos jornais nem nas televisões. Por detrás disso há «ocorrências banais»: grafitis nos cemitérios judeus e profanação de alguns deles, cartas anónimas, fóruns da Internet, cartazes claramente anti-judaicos, cartoons da imprensa, apedrejamento de sinagogas (a de Lisboa está nesse número, precisamente na véspera da Oração pela Paz que juntou judeus, muçulmanos e cristãos no seu interior — o relatório cita explicitamente esse acto, a que nenhum jornal português fez referência, de resto) e destruição de algumas delas, assassinato de estudantes judeus em França, organização de exposições anti-semitas em universidades francesas, tentativa de vedar o acesso a estudantes judeus em universidades inglesas, campanhas telefónicas e de mails na Alemanha, intimidação crescente em Espanha, insultos no metro de Paris, destruição de livrarias em Itália, primeiros ataques na rua a grupos de estudantes nas ruas de Antuérpia, incitamento à violência e à «vigilância» por parte de grupos e jornais de extrema-direita (em França, na Bélgica e na Holanda), vandalismo sobre sedes de associações culturais e cívicas de matriz judaica, «forwards» de mails anti-judaicos (não me refiro a anti-Israel) em universidades e instituições públicas (em Portugal tivemos um caso com alguma repercussão na Universidade de Trás-os-Montes, com protecção da direita católica e da esquerda-PCP), publicação — mesmo na chamada «imprensa de referência» austríaca, italiana, grega e alemã — de cartoons e textos anti-semitas, existência de milhares de grupos (islâmicos fundamentalistas, de estudos islâmicos, negacionistas e revisionistas, neo-nazis, fascistas, «radicais de esquerda», racistas, etc.) que na internet mantêm páginas anti-judaicas e anti-Israel, etc., etc., etc.. A enumeração destes casos aproxima-se bastante da estatística e, como se sabe, a valorização da estatística aproxima-se, por seu lado, da banalização dos factos. Neste caso, da banalização do mal.
Nada disto é estranho ou surpreendente a não ser a extrema gravidade da sua recorrência e da sua regularidade. Quando se somam os incidentes, os números são assustadores — mas a sua desvalorização na imprensa (cinco linhas de uma «breve», dez linhas inseridas numa notícia sobre o Iraque, etc.) impede um retrato de conjunto. Essa banalização é grave e esconde outro ponto essencial, que aliás o relatório (tanto na sua versão «curta» como na versão «completa») cita: o anti-semitismo nunca desapareceu da Europa e, desde os anos cinquenta, foi mantendo vários limbos onde se desenvolveu. A matriz intelectual desse anti-semitismo europeu é evidente e compreensível, dado que engloba os dois lados do «espectro político tradicional». Há nesse anti-semitismo europeu os mesmos sinais do velho anti-judaísmo de rua, o que vem de 1502 em Lisboa, o que vem das ruas de Toledo ou de Sevilha, o que vem de Évora durante o século XVI, o que vem de Vilnius e de Riga.
Por outro lado, há um dos aspectos mais importantes que o relatório aborda (e que fui desafiado a debater pelo Statler, do Blogue dos Marretas, aliás): a confusão entre aquilo que é assunto estritamente relacionado com Israel e aquilo que é «estritamente judaico». Os cépticos em relação ao estudo sobre o anti-semitismo, por exemplo, mantêm — com razão — que muitos dos ataques anti-judaicos são apenas anti-Israel. É verdade. Mas não deixa de ser curioso que, sobretudo a partir da Páscoa de 2002, tenham sido colunistas de esquerda ou católicos a insistir nessa paridade. Textos nessa altura publicados pelo dominicano Frei Bento Domingues, por exemplo (no Público) não estabeleciam distinção entre judeus, israelitas, hebraicos ou sionistas — tudo é o mesmo, seguindo, aliás, uma orientação pré-conciliar católica, que teve no teólogo Carreira das Neves alguns momentos altos e próximos do discurso de Santo Ofício (nomeadamente quando, na rádio, falava do «exército judeu» e do «exército dos judeus»). A imprensa marcha nessa mesma linha: «exército judaico», «exército hebraico», etc., etc. Se compararmos com os cuidados (que se devem valorizar, aliás) exercidos pela mesma imprensa a propósito do mundo islâmico (o que é Islão, o que é muçulmano, o que é fundamentalismo), estamos perante um défice claro.
Outro ponto que me parece importante, deste relatório, é o facto de assumir que nos países da UE houve o cuidado de criar uma política de prevenção contra o anti-islamismo na sequência do 11 de Setembro — são raros os ataques a mesquitas, centros de estudos islâmicos ou muçulmanos. No caso do anti-semitismo, ou actos anti-judaicos, não houve esse cuidado. Pelo contrário, verificou-se que certas universidades francesas autorizaram (cito o Libération, que publicou reportagens sobre o assunto, ao contrário do Le Monde, por exemplo) exposições e afixação de cartazes anti-semitas.
Parecem-me, por outro lado, muito obtusas as razões que levaram à não publicação deste relatório; a confusão entre actos anti-judaicos e actos anti-Israel não decorre da leitura do relatório, uma vez que há, nas suas páginas, explicações suficientes para distinguir uns dos outros. A questão, aqui, não tem a ver com o racismo (isso é o que eles, os anti-semitas primários, queriam! — claro, tratar os judeus como uma «raça») mas com o facto de a barbárie estar sempre à espreita. Não contem comigo para discursos sobre vitimização.
Como observação final, parece-me que esta conversa sobre anti-semitismo e não-anti-semitismo é uma soma de complexos. A tentativa de negar a existência dessa onda de manifestações, indícios e sinais anti-judaicos é tão absurda como a vitimização absoluta de sinal contrário — apenas leva mais facilmente à perseguição e ao abjecto que está em crescendo. Há um crescendo de lugares-comuns e de banalidades; um crescendo de tentativas de diluir diferenças (nomeadamente entre «críticas a Israel» e «judaísmo») e de juntar tudo no mesmo saco. Isso parece-me o pior de tudo. O anti-semitismo existe, os seus sinais estão aí evidentes, indicando que a Europa não mudou muito.
Sobre o «fenómeno anti-Israel», parece-me normal e também «compreensível» — mas isso será matéria para outro texto.
Só mais uma nota: no Brasil, foram assassinados dois estudantes. Ela era judia, ele não. Namoravam e tinham ido acampar; os seus corpos foram encontrados dias depois. Descobri o assunto na primeira página da Folha e segui-o durante duas semanas — até que entrei, depois de várias buscas na internet, nos fóruns que tratavam do assunto. A quantidade de mensagens e de intervenções anti-semitas (onde também havia mensagens anti-Israel, anti-quase-tudo) a propósito da morte de Liana Friedenbach e de Felipe Caffé foi tão impressionante que obrigaria qualquer um a sentir-se incomodado. Ora, essa natureza do anti-semitismo é que me incomoda. Qualquer debate sobre o assunto deve separar os dois campos. Se querem a minha opinião sobre os ortodoxos e os partidos haredim e Sharon, escusam de se incomodar — estão no arquivo deste blog. Podem ler antes.
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