ESCRITORES, EDITORES, BOLSAS. Recebo do Nuno Seabra Lopes — editor — um mail sobre o texto «Bolsas». É como segue:
«Concordo plenamente consigo quando afirma não gostar da ligação (e aproveitamento) entre política e criação cultural, presumo que pelos mesmos motivos. Por outro lado, não vislumbro qualquer necessidade de atribuir bolsas de criação dado que em muitos casos a sua aplicação não traz nem um aumento de obras, nem um real valor cultural. Não há, nem deixa de haver, uma associação directa entre o valor entregue por bolsa e o aumento da genialidade do autor, ou sequer de qualidade visível das obras. Se um autor tem qualidade, a qualidade dele não depende do valor entregue.
É igualmente verdade que falamos de uma profissão (ainda que muitos só possam nela trabalhar em part-time ) e, como tal, requer o devido rendimento pelo trabalho despendido. Mas é aí que entramos em semidesacordo...
Realmente o valor auferido pela venda de uma obra é muitas vezes irrisório e, de todo, poderá pagar o tempo ou trabalho lá despendido. Mas discordo consigo ao atribuir as culpas excessivamente para o quem lhe está directamente a montante: os editores. A injustiça não está nas percentagens porque, se fizer os cálculos, o valor que recebe por obra não varia assim tanto do valor que a editora recebe pela venda líquida das obras. Se, porventura, recebe 10% do preço de capa (valor padrão) recorde-se que o editor vende às livrarias por cerca de 50% do valor de capa. A esses 50% terá que retirar os seus 10% (que saem directamente destes 50%), terá que retirar igualmente as despesas externas da gráfica (regra geral), que saem a pelo menos 15% do valor final (com sorte!), valor esse que sai também da parte da editora.
Com isso temos 50-10-15= 25%. Depois temos que pagar o imposto à Dr.ª M.F.Leite! Temos que pagar as despesas das pessoas que colaboraram na feitura da sua obra. Relembro-lhe que só em revisões (2 provas com confrontação, por exemplo) podem sair 5% do valor total da obra. Se contar com despesas correntes de paginação, mão-de-obra, concepção da capa, luz, água, papel, segurança social, blá, blá, blá... verá que o valor que sobra não é elevado. A grande diferença é que o editor recebe pequenas parcelas de inúmeras obras. Porventura terá sorte numa ou noutra obra com melhor saída comercial mas, conhece o mercado português e sabe que um sucesso em Portugal é muito pouco para um autor ou uma editora.
A culpa? Certamente dos editores e de todos os restantes actores culturais. Não há um mercado decente nem real vontade de o criar. A aposta na qualidade e na inovação é reduzida e as editoras têm vindo a sobreviver graças às evoluções tecnológicas que lhes vão caindo milagrosamente em cima e os subsídios absurdos e raros que tornam muitos editores em esmoladores sem noção da profissão.
Os autores devem lutar por receber os valores devidos das cópias piratas (fotocópias e companhia) devem fomentar a venda dos vossos livros por intermédio de animações várias e constante esforço de promoção – também vos compete vender o fruto da vossa profissão. Deverão chatear constantemente as editoras para que façam um bom serviço de distribuição e venda das obras. Deverão lutar por direitos de rescisão de contrato, valores de direitos subsidiários, obrigações de promoção e venda de direitos, etc. Devem também estar atentos às muitas trafulhices que se vão fazendo por este meio, muitas delas são tão estúpidas que servem somente para evitar despesas em vez de servirem para ganhar riqueza.
Não quero defender a minha profissão opinando contra a sua, isso seria ridículo e pouco condicente com a minha e a sua forma de pensar (presumo). Há realmente muita culpa nos nossos editores, muita falta de formação e profissionalismo, muita gente que entra no meio com ideias giras e poucos conhecimentos de edição ou gestão. Assim, acabam por criar projectos com fraca viabilidade e pouca garantia de crescimento e qualidade. Portugal é assim mesmo, cheio de sapateiros a gerir fábricas de móveis. Sei que conhece alguns e compreende o que lhe falo.
Uma outra questão prende-se com os autores que, muitas vezes, recusam trabalhar com grandes editoras por não “gostarem” dos seus modos de trabalho — chamam-lhe mercadores de livros e coisa e tal (na verdade são-no mas, muitas vezes é uma opção profissional; não tornemos isto num maniqueísmo: artista/empresário, bom/mau, porque estamos a lidar com um produto comercial do qual depende todo o sucesso financeiro da empresa, dos seus empregados, da qualidade futura e continuidade das obras, da sua promoção, exportação e venda de direitos). Recusam trabalhar com editores ou formatos estabelecidos. Esquecem-se que as “grandes editoras internacionais” que vendem milhões de exemplares são o suprasumo desse ideal mercantil. Caem num paradoxo.
Compreendo essas decisões e até as apoio — quando têm razões para tal —, mas depois não se deverão queixar dos fracos rendimentos. Editoras alternativas ganham valores baixos: é um direito que traz consequências. É uma opção, não uma tragédia.»
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