EXTRACTO, 2. O artigo de José Pacheco Pereira no Público de hoje merece ser lido com toda a atenção — constitui uma das análises mais ponderadas sobre o assunto e sem aquela marca evangelizadora que tem aparecido nos jornais. Mas o que escreve no Abrupto, como complemento, é também mais claro. Desde o princípio que tenho concordado com J.P.P. nesta questão e não me comovem muito os ares de escândalo que periodicamente aparecem na «opinião pública». Como já escrevi, o escândalo é o inimigo fundamental desta investigação. O que está na base do mais recente dos escândalos, no entanto, é a fuga de informação; aqui, provavelmente, discordo de J.P.P. no que se refere ao «apelo à serenidade» por parte do presidente da República — se Sampaio tinha alguma coisa a dizer, que fosse dita claramente; caso contrário, o silêncio era uma boa maneira de responder. As fugas de informação mereciam ser estudadas a fundo: pela sua natureza, como são citadas, pela sua ocorrência, pelas coincidências que deixam perceber, pelos álibis que supõem e pelos benefícios que trazem. No caso da justiça (mais do que na manipulação de informações sobre os conselhos nacionais dos partidos), há várias coisas em jogo; neste caso, ainda mais. O «processo Casa Pia», lido na imprensa, revela um conjunto notável dessas manipulações e de fugas de informação bem colocadas. O jogo mais perverso que decorre dessas fugas de informação é a «elaboração de listas» de suspeitos; correm às centenas. Cada cidadão bem informado está na posse de pelo menos uma dezena de nomes. Provavelmente isso acontece em outros países — mas a mim incomoda-me este, e incomoda-me o hábito da denunciazinha, da suspeição alarve e das listas de condenados. Não acho doentio, não acho idiota, não penso que seja apenas obra de maldade. Acho que é assim mesmo.
A politização do caso, como está a decorrer, é o facto mais relevante desde os dias que antecederam a detenção do deputado Paulo Pedroso. A reacção de Manuel Alegre ontem, no parlamento, pareceu-me a mais estapafúrdia de todas, tal como a de Mário Soares nos idos de Junho passado quando, numa entrevista à Antena Um, confundiu o «ataque aos políticos da República» com a «natureza desta investigação». Quem pôs a República no banco dos réus não foram os investigadores ou os juízes — e, de certo modo, não foi a imprensa. Tenho sobre a justiça a ideia de que é lenta, penso que os tribunais funcionam mal, que os cidadãos são maltratados pela justiça (e pelo Estado); mas não acredito na sua má fé essencial. Infelizmente, este processo está a tornar-se esquizofrénico porque há várias coisas em jogo: a credibilidade da política (que não devia ter entrado em campo), as «figuras da República», um crime real efectivamente praticado, a credibilidade da imprensa, a credibilidade da acusação e do MP — e, finalmente, infelizmente, uma questão de fé. A «opinião pública» divide-se entre os «que acreditam» e os «que não acreditam» na culpabilidade dos acusados. Essa fractura indecente passou já para a imprensa, como se sabe.
Outra coisa, completamente diferente, tem a ver com a necessidade de mais leis sobre a imprensa. Não deve haver mais leis. Chega de leis. O problema não está nas leis mas nessa manipulação de que todos são capazes. Quando há interesses políticos em jogo, então, a vontade legislativa é um excesso ridículo. Convocar o Conselho de Estado, por exemplo, seria outro buraco aberto nesta paisagem: pôr as figuras da República a reagir, em comandita, ao que é uma manipulação clara e evidente, parece-me um erro de arromba.
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