LIVROS DO ANO, 12. {Ficção} Vasco Graça Moura / Petrarca, Rimas (Bertrand).
Durante muito tempo teremos de agradecer a VGM o seu trabalho como tradutor, de Villon a Seamus Heaney, de Dante a Gottfried Benn ou a W.H. Auden, por exemplo. Muita da melhor poesia europeia chegou-nos através das suas magníficas traduções e, neste domínio, não tem comparação. Também se trata de um dos nossos melhores poetas, naquele fio que vem dos clássicos dos séculos XVI e XVII, atravessa Cesário e passa por Nemésio, juntando melancolia e ironia e nunca sucumbindo à tentação do lirismo romântico. É injustamente desvalorizado como romancista, mas dois dos seus livros, Naufrágio de Sepúlveda e Partida de Sofonisba às 6/12 da Manhã, merecem ser lidos pelos menos crédulos. As Rimas de Petrarca são um exemplo desse trabalho de paixão pelos livros e pela poesia. Além do mais, há um prefácio fundamental que arrasa com as banalidades que têm vindo a ser encaixadas na academia portuguesa em redor da Renascença e do seu cânone. Um dos exemplos maiores (mas trata-se de uma leitura pessoal) é a versão de «De l'empia Babilonia», que fica assim:
«Da ímpia Babilónia, a que perdida
toda a vergonha está, todo o bem fora,
albergue para a dor, mãe de erro agora,
fugi para alongar a minha vida.
Aqui sou só; e como Amor convida,
colhendo rimas, versos, ervas, flora,
falo com ele e melhor tempo implora
o meu pensar: só esta ajuda é tida.
Nem fortuna nem vulgo me consuma,
nem de mim muito, nem de coisa vil,
nem sinto dentro ou fora calor vir-me.
Duas pessoas só peço; e assim uma
a dar-me em paz seu coração gentil,
e a outra, como nunca, em seu pé firme.»
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