janeiro 04, 2004

NÃO ME ABORREÇAM COM O OPTIMISMO, 2. Este final de ano foi dramático, de verdade: aturar presidentes de Câmara e presidentes de empresa, presidente da República e directores de jornal, secretários de Estado e bispos a pregarem-nos o dever do optimismo é uma desgraça incomparável. Desde Junho, com as incursões açorianas do Presidente, mais o «patriotismo moderno e democrático», o «respeitinho pelos políticos» e a insuportável «auto-estima», que o País se encarregava de espatifar a personalidade com o discurso sobre a crise e o seu contrário, a necessidade de rigor e o seu contrário, a exigência de contenção orçamental e o seu contrário. E é isso mesmo: eu não quero que o primeiro-ministro ande pelo país fora a levantar-nos a moral como os missionários andavam pelo sertão a espalhar a fé ou nas encostas de Trás-os-Montes a levar relíquias da Terra Santa. Eu quero que o primeiro-ministro se dedique, fundamentalmente, a primeiro-ministrar; é essa a sua função. E que os empresários se dediquem à sua função com seriedade. E que os tribunais julguem. E que as coisas, em geral, funcionem. O nosso optimismo seria imenso, fatal, vastíssimo, imbatível. A nossa auto-estima, finalmente, ninguém ouviria falar dela porque não era para aqui chamada. Mas não; há por aí uma vontade irresistível de se meterem na nossa vida: «Tens de elevar a tua auto-estima.» Martha Stewart em edição portuguesa, com mais rendas e bordados. «Vamos! Temos de ser optimistas!» Padre Rossi sem paramentos.