O QUE É UM ROUBO? Uma pessoa entra no banco. Faz um depósito — em «numerário», como se deve dizer. E vai à sua vida. Dez horas depois usa o cartão Multibanco e passa pela pequena vergonha de ver escrito «não autorizado» no visor da máquina de débito. Vai a uma máquina de Multibanco, para conferir, e vê que não está creditado o depósito que fez. Então, pergunta-se: «Onde está o meu dinheiro?» Telefona para a «linha directa» do banco (que não é o seu banco, mas é um banco), de noite, para saber o que fizeram do seu dinheiro. «Ah, pois, por razões operacionais não creditaram o dinheiro na sua conta...» «Mas eu fiz um depósito em numerário, em dinheiro. Portanto, quero saber onde está esse dinheiro.» «Meu caro senhor, de certeza que está guardado no seu banco e amanhã, em princípio, deve estar disponível.» «Não me parece. Eu entreguei dinheiro no banco. Fui ver o saldo da minha conta, e ele não está lá...» «Garanto-lhe que está.» «Não está. A máquina do Multibanco diz-me que não está lá. Eu quero saber o que fizeram dele.» «Mas eu já lhe disse, o dinheiro está connosco, só que ainda não está disponível.» «Não está disponível? Mas eu não emprestei dinheiro ao banco, nem pedi dinheiro ao banco. Nem depositei um cheque. Eu depositei numerário na minha conta. Mas, pelos vistos, não está lá.» «O senhor tem comprovativo do depósito?» «Tenho. Está a desconfiar?» «Não... Mas posso garantir-lhe que o seu dinheiro está no nosso banco. Está guardado, amanhã já pode usá-lo.» «Compreendo. Mas eu queria usá-lo hoje.» «Não é possível. Hoje não é possível.» «Porquê? O banco precisava desse dinheiro e tirou-o de lá, e só mo devolve amanhã?» «Não, não... Por razões operacionais não deve ter sido possível pôr o dinheiro na sua conta.» «Há um equívoco: não é o banco que põe dinheiro na minha conta. Fui eu que pus o dinheiro na minha conta. Mas ele não está lá. O banco tirou-o de lá. O banco roubou-mo.» «Não! O banco não roubou o seu dinheiro!» «Então, onde está o dinheiro que eu precisava para hoje?» «Só pode levantá-lo amanhã.» «Mas eu preciso dele hoje, agora. Hó pouco sorriram, para o lado, quando apareceu a palavra ‘não-autorizado’ na máquina de débito de uma loja. E eu precisava dessa coisa, que ia comprar, para hoje.» «A sua vida depende disso?» «A minha vida depende disso.» «Pois terá de aguardar para amanhã.» «Compreendo. O banco só me dá o meu dinheiro amanhã, é isso?» «É, é isso.» «Então, onde foram com o meu dinheiro hoje? Levaram-no a jantar fora?» «Não é caso para brincar.» «Eu também acho.» «Como já lhe disse, isto deve-se a razões operacionais. Há muito trabalho no banco.» «Eu também tenho muito trabalho e até me custou ter de arranjar tempo para ir ao banco depositar nessa conta à ordem. Mas os senhores é que me enganaram. Tenho um talão de computador a dizer que depositei o dinheiro. Dinheiro mesmo. Mas os senhores acham que eu não posso gastar o meu dinheiro hoje, quando é fundamental que o tenha. Eu sei que de vez em quando me distraio e gasto mais do que devia, mas é um assunto pessoal, e nem é uma coisa por aí além... Os senhores não têm o direito de me proibir de gastar o meu dinheiro.» «Agora não se pode fazer nada. Nem tenho acesso ao sistema...» «Emprestaram o meu dinheiro a alguém? Se for assim, eu também quero ganhar alguma coisa com isso.» «Não. Não emprestámos. Ele está lá. Mas não está disponível. Isso acontece com muitos bancos.» «Nunca me aconteceu.» «Há sempre uma primeira vez.»
Aviz
«We have no more beginnings.» [ George Steiner ]
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home