março 24, 2004

HEISENBERG, O PRINCÍPIO DA INCERTEZA. Acabei de ler o novo livro de António Manuel Baptista [Crítica da Razão Ausente, Gradiva]. É o regresso da «pequena guerra» entre António Manuel Baptista e Boaventura de Sousa Santos – e que, como debate, tem todo o sentido fazer-se. Desde logo porque acho sensatas muitas das objecções de Sokal e Bricmont (Imposturas Intelectuais) àquilo que é, apenas, a utilização de conceitos das «ciências naturais», ou da física, no domínio das «ciências sociais». Não acho o livro um «monumento reaccionário» nem – como se disse em Portugal recentemente – um ataque «à esquerda» (Boaventura Sousa Santos tinha dito o mesmo, no Expresso, do livro que António Manuel Baptista (O Discurso Pós-Moderno Contra a Ciência. Obscurantismo e Irresponsabilidade) escreveu em resposta ao seu (Um Discurso Sobre as Ciências). E é compreensível, do meu ponto de vista, o conjunto de observações feitas por António Manuel Baptista a Boaventura Sousa Santos. E, até ver, parece-me honesto o jogo de Sokal e Bricmont.

Ora, há aqui uma questão de contágio e de incerteza (não, não estou a invocar Heisenberg). Durante muito tempo, a ciência ocupava-se de «matérias precisas» – e a poesia, a arte, do jogo com o invisível. Provavelmente, a idade moderna introduziu uma ruptura qualquer: as artes tornaram-se mais substantivas, menos preocupadas com a natureza do invisível, enquanto a ciência (nomeadamente a física, a astronomia, a matemática) passou a lidar precisamente com esses valores que transportam uma «beleza terrível» (o verso de Yeats também serve): não apenas o invisível, mas o improvável, o caos, as ondas, o tempo. Nessa passagem dos anos sessenta e setenta, as chamadas ciências sociais, soltando-se do campo das Humanidades, exigiam o estatuto de ciência (ou a sua linguagem) mas nunca deixaram de reivindicar o seu direito ao impreciso, à explicação não razoável. Quando um estudante de linguística lia as páginas de Kristeva sobre matemática (ou as de Baudrillard no limite da física e da matemática, sem falar de Virilio) – incompreensíveis, de qualquer modo –, encontrava naquela invocação uma espécie de conforto por estar a tratar «de ciência» (teoremas, argumentos, equações). Mas a verdade é que continuava totalmente ignorante sobre o assunto. A linguagem estava lá, sim, e as metalinguagens podiam conferir. Mas a ignorância era brutal. Acho que hoje continua a ser brutal.