março 25, 2004

MAIS SOBRE BELGAIS: O Tempestade Cerebral responde à minha resposta que respondia à sua. Mas o essencial são as contas em redor do orçamento do Ministério da Cultura, que comparou com as do National Endowment for the Arts e as do National Endowment for the Humanities, que eu citei, chegando à conclusão de que o Ministério da Cultura português gastava mais do que o NEA e o NEH. Ora, a questão não é essa; além do mais, o NEA e o NEH não são senão uma parte do orçamento americano para as artes e as letras – muito reduzida e parcial – e apontei-os como exemplos possíveis do que se pode fazer em Portugal (digamos que o NEH corresponde apenas ao IPLB). A tese do Tempestade Cerebral é simples, clara e compreensível: em Portugal, retirou-se poder à sociedade (aos «privados», designação que me faz estremecer) para que o Estado alargasse os seus limites e decidisse «sobre a cultura» e «sobre que cultura» [os termos são meus e parecem-me adequados]. Ora, meu caro amigo, a minha dúvida não é sobre o Estado, qualquer Estado, qualquer excessivo poder do Estado sobre a sociedade. Sou, nesse sentido, muito mais liberal do que julga. A minha dúvida é, infelizmente, sobre a sociedade – daí eu ter citado o mundo dos «ricos portugueses actuais». E insisto nessa tecla (o termo justifica-se, estamos a falar de Belgais e de uma pianista…), se quiser: há uma responsabilidade social da riqueza e uma ética do dinheiro que o mundo dos «ricos portugueses actuais» desconhece. Dito de outra maneira: eu estou-me nas tintas para o apoio do Estado a Belgais, embora ache que ele deva existir – porque o projecto de Belgais é, de facto, qualitativamente diferente de tudo quanto existe por aí fora, é uma experiência que só ilustra o País e contribui para a educação musical de uma pátria que ouve demasiado ruído e pouca música. Do que eu me queixo bastante, meu caro, é do facto de a «sociedade civil», ou os «privados», ou seja lá o que for, não ter bastante gente educada, culta, interessada. E de se ter desinteressado de Belgais. Acha esta opinião absurda, naturalmente; mas a verdade é que o País definha também por causa disso.
Quanto aos «juízos de valor» sobre a «qualidade» dos bens culturais a apoiar sobre o Estado, já se sabe: é um caminho no fio da navalha. Já escrevi que duvido muito acerca das «bolsas de criação artística», em letras ou em qualquer outro domínio. E sou contra o apoio do Estado a projectos de criação de «vanguarda» (sim, se alguém tem de ser conservador é o Estado). Mas acredito que o Estado tem responsabilidades sérias quando se trata de educação musical e artística, conservação e divulgação do património, arquivos, edições raras e históricas de fundos documentais, apoio à edição de clássicos (com um sistema de vigilância extremamente rigoroso e severo para com os oportunistas). Não cabe tudo no mesmo saco.