março 19, 2004

O ABJECTO. Ao fim da tarde, emissão da TSF. Entrevista no «Pessoal e Transmissível». Um cavalheiro, vagamente inimputável, recorda o 11 de Setembro: estava na Figueira da Foz e um amigo telefona-lhe. Eh pá... a malta mudou a mesa para a frente da televisão, estava a comer uma caldeirada, e foi uma refeição aí de umas quatro horas, cheia de alegria. O inimputável fervilha de alegria, ao relembrar o momento. Carlos Vaz Marques lembra-lhe que são 3 000 americanos. Eh pá, isso não é nada... Então e o valor da vida humana? Vida humana? Aquilo são americanos, uma raça desgraçada... Depois, o inimputável continua: que era perfeitamente capaz de matar Bush, aliás, ele queria matar Bush, que não matava a mulher de Bush, mas que a entregava a um bando de tarados sexuais. Que isto só vai à bomba. Ele é um anarquista, aliás, e isto só vai à bomba, veja-se a França onde não se pagam os medicamentos e os reformados andam de graça nos transportes públicos, porque houve a guilhotina, isto só vai à bomba, veja-se em Cuba, onde houve sangue, e onde o povo vive muito bem. Depois, o inimputável continua, vai dizendo que é um bocado sacana mas muito amigo da família, os americanos é que são arraçados de maus, nós não, nós somos uma raça aceitável, agora no 11 de Setembro isso foi uma alegria. Uma alegria. Quando o Carlos Vaz Marques lhe pergunta se acha que alguém o leva a sério, o inimputável concede: «Os gajos inteligentes, sim.»

Ouvi isto no carro. Ele esteve ali quarenta minutos a falar. Estava muito trânsito na Ponte do Infante, mas ouvi. Havia uma ligeira ventania sobre o Douro, uma espécie de poeira. Como dizia Clarice Lispector, impossivel explicar.