março 22, 2004

SOBRE A GUERRA. [Actualização com comentários.] Ahmed Yassin, que a imprensa trata como «líder espiritual», defendia explicitamente o ataque a civis, e foi citado várias vezes como tendo ordenado pessoalmente ataques suicidas (abençoando os seus autores) e não suicidas (valorizando o número de vítimas causadas pelas Izz al-Din al-Qassim ou por qualquer outro grupo armado). Defendeu várias vezes esse direito divino a atacar civis e, portanto, raramente condenou as explosões. Era também um adversário da Autoridade Palestiniana e ordenou ataques à polícia da AP, bem como fuzilamentos sumários de civis palestinianos, apedrejamentos (sobretudo de mulheres e de homossexuais) e a formação de campos militares para treinar crianças, em ligação à Jihad. Tal como outros xeiques das mesquitas de Gaza, pensava que matar judeus estava ordenado no Corão (é uma das passagens menos discutidas do texto); tal como o Grande Muftí de Jerusalém, afirmava que em nenhuma parte o Corão condenava os ataques suicidas ou o uso de crianças para transportar explosivos. Yassin fazia parte da guerra e era um soldado que nunca o escondeu -- nem nas suas alianças nem no apelo que já tinha feito (leia-se o site do Hamas sobre a jihad global). Estava na guerra e era tratado como um general dessa guerra que, para ele, era santa e religiosa. Este é um ponto.

O segundo ponto é que, independentemente de todas as razões, o ataque a Yassin não deixa de ser uma falta estratégica e, claramente, aos olhos do Ocidente, uma baixa moral importante. Internamente, significa que Ariel Sharon aceita o apoio e a base eleitoral dos partidos haredim e de extrema-direita (que tinham defendido a eliminação de Yassin), em «compensação» pela saída de Gaza e por um compromisso sobre os territórios da Judeia e da Samaria; externamente, é um golpe que não deixará de ser condenado (embora ninguém chore uma lágrima por Yassin) e que aumentará a campanha anti-Israel numa parte da opinião pública. Não há aqui juízos sobre equivalência moral; o Hamas acabou de ganhar um mártir poderoso. A guerra vai continuar a ser devastadora. Não se sabe com que efeitos.

O terceiro ponto é sobre a natureza da compaixão. Yassin é retratado como um «velho numa cadeira de rodas». Está numa cadeira de rodas desde os 12 anos e isso nunca o impediu de ter ordenado atentados, de ter declarado esses ataques uma «obrigação religiosa» e de dizer que o dia mais feliz da sua vida seria aquele em que morresse como mártir suicida (shahid). Infelizmente, fizeram-lhe a vontade. Mas prevejo que aqueles que agora aparecerão a lamentar a morte de Yassin se calaram nos minutos a seguir aos atentados que ele ordenou. Mas, como já disse, não há aqui juízos sobre equivalência moral.

COMENTÁRIOS:
# «Não sei como se atreveu a ir tão longe para justificar o injustificavel. Para além da total ausência de estratégia diplomática do governo israelita (que não confundo com o povo israelita) como distingue este tipo de terrorismo do terrorismo do Hamas ou de qualquer outro?» [Isabel Prata]

# «Só lhe faltava defender que a vida de Yassin era de menos valor do que a de outros seres humanos. Não é isso uma forma de racismo?» [Carmen S. Castanheira]

# «Ouça lá, ó seu palerma! como é que você tem a lata de dizer que "aqui não há juízos morais", quando não faz outra coisa, ao longo deste e doutros textos sobre o assunto, se não jogar com valores positivos e negativos? se não quer fazer juízos morais, esteja calado que faz melhor figura. ou então, escreva sobre a luz da lua, ou os eflúvios da primavera. e deixe-se de usar a arma da técnica da escrita - que é uma arma (uma técnica) como outra qualquer - para defender o indefensável. não fique a pensar que um mercenário ou um fascista que escrevam boa literatura têm mais direito ao espaço público que um "tosco" ou um semi-analfabeto. escreva livros para entreter saudosos do colonislismo e deixa-se de falar de assuntos sérios, que não são o seu domínio.» [Luísa Mendes, ou Maria Luísa Rodrigues]