BERNARD LEWIS, 2. Entrevista de Bernard Lewis à Folha de São Paulo (revista Mais!), por Eduardo Szklarz; alguns extractos (não está online):
- Em Os Assassinos [edição Jorge Zahar], o senhor diz que os membros dessa seita xiita do século X não esperavam sair vivos das missões, mas não se suicidavam. Como explica os suicídios actuais?
- De acordo com os ensinamentos islâmicos, o suicídio é um pecado capital. Qualquer pessoa que cometa suicídio vai directo para o inferno e a sua punição será a eterna repetição do acto que causou a sua morte. Os «assassinos» não cometiam suicídio. Eles entravam no local da missão sabendo que não poderiam escapar, mas não se matavam com as próprias mãos. Isso é novo e muito estranho à lei islâmica.
- O que o explicaria, então?
- Essa é uma das muitas introduções ao Islão feitas pelo wahhabismo, uma seita muito extremista que apareceu no final do século XVIII. Ela se manteria marginal não fosse por duas razões: a criação do reino saudita, governado por Ibn Saud, e a imensa riqueza obtida por ele graças ao petróleo. O wahhabismo se transformou numa força mundial no Islão, com uma força tremenda sobretudo sobre a diáspora muçulmana. Os países islâmicos conseguem exercer algum tipo de controle sobre ele, mas em países não-islâmicos não existe esse controle sobre o que é ensinado nas escolas. Há um ensino muito mais extremo em escolas muçulmanas da Europa e da América do que na maioria dos países islâmicos.
- Por que a questão palestiniana tem levado tantas décadas para se resolver?
- Essa é uma parte essencial do aparato político dos países árabes. Os governantes precisam desses agravos e ressentimentos para desviar a ira do povo. Caso contrário, eles mesmos serão objecto da ira. Nos países árabes, a queixa a respeito de Israel é a única que pode ser expressa livremente. Mas o problema palestiniano é apenas um entre os vários que vemos ao longo das fronteiras do mundo islâmico, como o Kosovo, Bósnia, Tchechénia, Caxemira, Sudão ou Timor. Todos esses pontos são manifestações de um mesmo grande problema entre o Islão e o não-Islão.
- Por que a questão palestiniana recebe mais atenção?
- Por duas razões. A primeira é que Israel é uma democracia, então os média podem entrar e sair, fazer o seu trabalho livremente. Israel é o país com a terceira maior presença de jornalistas em todo o mundo, atrás apenas dos EUA e de Inglaterra. A segunda razão é que os judeus estão envolvidos. E judeus são notícia. A vantagem da questão palestiniana é que os agravos podem contar com uma resposta imediata na Europa. Quando lutam contra os cristãos, aí é mais delicado. Não podem esperar que os cristãos se juntem a eles. Houve recentemente um ataque terrível no oeste do Sudão, mas ninguém lhe deu a mínima atenção.
- Israel pode ter êxito mantendo a política de assassinatos selectivos, como o do xeique Ahmed Yassin?
- Não tenho a informação necessária. Mas acho curioso que os presidentes Bush e Clinton estejam sendo condenados por não terem feito com Osama Bin Laden aquilo por que Ariel Sharon está sendo condenado em relação a Yassin.
- O senhor foi alvo de críticas de Edward Said, que condenou o preconceito e a ignorância dos orientalistas ocidentais em relação às culturas árabe e islâmica…
- Edward Said estava certo ao condenar certas visões sobre o Islão. Ele estava errado ao atribuir essas visões a mim e a outros orientalistas. Nem todo o trabalho orientalista é baseado no preconceito e na ignorância. Mas posso entender a atitude de Said. Era um professor de inglês. E tendemos a julgar os outros por nós mesmos. Ele sem dúvida presumiu que os não-árabes que estudam árabe estão inspirados pelas mesmas motivações e atitudes que ele teve em relação à história e à literatura de Inglaterra.
[Folha de São Paulo, revista Mais!, 11-04-2004]
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