abril 27, 2004

CONTINUAÇÃO DA ALEGORIA. De qualquer modo, Barnes acha que o exercício das proibições vale a pena. E escreve: «Mesmo assim, vamos jogar. Eu jogo primeiro.»
Eis a lista de proibições a decretar por Barnes: «1. Não deverá haver mais romances em que um grupo de pessoas, isoladas pelas circunstâncias, voltem à “condição natural” do homem, se tornem criaturas essenciais, pobres, nuas. Tudo isso pode ser escrito num conto, o último do género, a rolha na garrafa. […] 2. Não deverá haver mais romances sobre o incesto. Não, nem mesmo deses de muito mau gosto. 3. Nenhum romance situado em matadouros. Aceito que é um género pouco importante hoje em dia; mas notei recentemente um aumento no uso do matadouro em contos. Tem de se cortar o mal pela raiz. 4. Determina-se uma proibição de vinte anos para romances localizados em Oxford e Cambridge, e de dez anos para a ficção sobre outras universidades. Não há proibição para a ficção localizada em institutos politécnicos (embora não deva haver subsídios para a encorajar). Nenhuma proibição de romances situados em escolas primárias; uma proibição de dez anos para a ficção em escolas secundárias. Uma proibição parcial para romances de crescimento (permitido um por autor). Uma proibição parcial para romances escritos no presente histórico (por um autor, novamente). Uma proibição total para os romances em que a personagem principal é um jornalista ou um apresentador de televisão. 5. Deve ser introduzido um sistema de quotas na ficção localizada na América do Sul. A intenção é moderar a propagação a preços módicos do barroco e da ironia pesada. Ah, a afinidade da vida barata com os princípios caros, da religião com o banditismo, da honra com a crueldade gratuita. Ah, o pássaro daiquiri que choca os ovos na asa; ah, a árvore cujas raízes crescem nas pontas dos ramos e cujas fibras ajudam o corcunda a fecundar por telepatia a arrogante mulher do fazendeiro; ah, o teatro de ópera agora rodado na selva. Deixem-me dar um murro na mesa e dizer "Basta!" Os romances localizados no Árctico e no Antárctico receberão um subsídio. 6. a) Nenhuma cena em que haja contacto físico entre um ser humano e um animal. A mulher e o golfinho, por exemplo, cuja terna cópula simboliza um restabelecimento mais lato daqueles ténues fios que antigamente uniam o mundo numa convivência pacífica. Não, nada deste género. b) Nenhuma cena em que o contacto físico tenha lugar entre o homem e a mulher (à maneira dos golfinhos, é caso para dizer) num chuveiro. As minhas razões são primordialmente estéticas, mas também médicas. 7) Nenhum romance sobre as pequenas guerras até agora esquecidas em partes longínquas do Império Britânico, no doloroso decurso dos quais ficamos a saber, primeiro, que os Britânicos são em geral perversos, segundo, que a guerra é realmente uma coisa muito má. 8) Nenhum romance em que o narrador ou alguma das personagens é identificada simplesmente por uma letra. Ainda há quem continue a fazê-lo! 9) Não deve haver mais romances acerca dos outros romances. Não às "versões modernas", reescritas, seguimentos ou antecedentes. Nem um complemento imaginativo de trabalhos deixados inacabados pela morte dos seus autores. Em vez disso, deve ser dado a cada escritor um pano bordado para pendurar sobre a lareira. Com as palavras: “Faça o Seu Próprio Trabalho.” 10) Deus devia ser proibido durante vinte anos; ou melhor, o uso alegórico, metafórico, alusivo, secreto, impreciso e ambíguo de Deus. O jardineiro-chefe barbudo que está sempre a tratar da macieira; o velho lobo do mar sensato que nunca se precipita a julgar; a personagem a quem nunca somos apresentados mas que, aí pelo capítulo quatro, nos provoca um sentimento de apreensão… ponham-nos a todos num armazém, todos. Deus só é permitido como uma divindade confirmável que se zanga imenso com as transgressões do homem.»