SARAMAGO E DURÃO. Vai por aí uma grande onda de indignação sobre o cachimbo da paz fumado por Saramago e por Durão Barroso. Saramago foi vítima de um governo – o de Cavaco – que se permitiu deixar à solta um cavalheiro praticamente inimputável como Sousa Lara. O homem podia pensar uma coisa daquelas – que o Evangelho era blasfemo –, mas nada o autorizava a erguer o estandarte religioso naquilo que era uma questão literária. Saramago saiu beneficiado na altura, bem vistas as coisas, do ponto de vista do marketing pessoal e literário. E, de facto, irritou-se com toda a razão, saiu de Portugal e fez bem; naquelas condições, com o Nobel praticamente debaixo do braço, qualquer pessoa teria feito o mesmo, ou seja, recusar-se a aceitar ter como governante uma abécula gritante como Sousa Lara, num país que já queimara muitos livros ao longo da história e que andara a pintar rótulos de «blasfemo» por todos os arraiais que lhe apeteceu. O erro foi cometido por Cavaco e por Santana Lopes, então secretário de Estado da Cultura, que não quiseram pôr a história em pratos limpos. Vaidade por vaidade, está tudo dito.
Eleitoralismo, agora? Provavelmente. Mas num país que está a começar a dar-se bem com a crispação a todo o custo, o gesto não é desprezível. E não havia necessidade nenhuma de o gesto de Sousa Lara – que entretanto se dedicara à Moderna e a pregar o milenarismo (lembram-se daquelas cruzes gigantescas que aguardavam a passagem de milénio?) – ficar como uma marca da «identidade nacional». Sobre o resto, evidentemente que um almoço nunca é de graça.
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