maio 28, 2004

ANDAR DE MOTO, 3. Continuam os mails sobre Guevara. O Mário F. Pires (do excelente Retorta) escreve por grande parte da blogosfera:
«Posso perfeitamente confessar que a imagem que me passaram na altura foi a de um grande idealista, altruísta e revolucionário, que morreu "no cumprimento dos seus deveres revolucionários". Não me foi difícil acreditar nisso dada a época, e lembro-me de ter um poster no quarto e de cantar a música dedicada a ele que passava amiúde na rádio. Mas para colocar as coisas em perspectiva, os posters de músicos sempre tiveram a parte de leão na minha parede e nunca os tratados de marxismo-leninismo pousaram sobre a minha secretária, ao contrário da revista Tintin. Para quem não teve um contacto directo com ele ou conhecimento dos actos, a mitologia era simples e fácil de aceitar. Hoje falam na crueldade e nas sentenças de morte que passou sem julgamento. Provavelmente será verdade, mas já nada disso me choca, há demasiado tempo que aprendi que não há nenhum humano impoluto, que todos nós estamos sujeitos ao erro, a ter vontade de prejudicar outros ocasionalmente, a desejar o mal ao próximo com maior ou menos intensidade. Mas desejar e efectivamente consumar esses desejos não é a mesma coisa, assim como há uma diferença entre eventuais pequenas maldades que fazemos aos outros e crimes graves. A capacidade de resistir a cruzar determinados limites é uma qualidade humana que devemos prezar, ou então sou eu que sou demasiado idealista. Mas o mito é muito forte e é sempre complicado para as pessoas confessarem que foram enganadas, por isso ainda perdurará por muito tempo, provavelmente.»