maio 06, 2004

UMA QUESTÃO COM A HISTÓRIA. UM ANIVERSÁRIO DE FREUD. «Freud é tão metafórico quanto Goethe ou Montaigne, e, como eles, é antes de tudo um escritor. [...] Freud junta-se a Johnson, Boswell e Goethe, na qualidade de autobiógrafo original e vital, bem como de dramaturgo do eu. O que é mais importante, forma um trio, com Johnson e Goethe, de sábios autênticos, moralistas validados por dotes intelectuais extremamente raros. [...] A ciência era a defesa de Freud contra o anti-semitismo: a psicanálise não era para ter sido classificada como "a ciência judaica", conforme se tornou para o desequilibrado Jung. Actualmente, um grupo de ressentidos e frustrados estigmatizam Freud, mostrando-o como um charlatão, o que constitui um aviltamento, sendo ele uma personalidade tão majestosa. [...] Exilou-se em Londres, não em Jerusalém, por acreditar que a Palestina seria sempre o berço de novas superstições. Muito me agrada a obra O Futuro de uma Ilusão, ainda que talvez seja o livro mais fraco de Freud, somente porque gosto de imaginar T.S. Eliot, anti-semita respeitável, exasperando-se ao lê-lo. Freud também se alegraria com isso. Moisés e o Monoteísmo, romance escrito por Freud, deixa bastante explícita a identificação entre as histórias da religiao judaica e da vida do novo Moisés, Solomon Freud (esse seria o seu nome hebraico, que com ele muito mais combina do que o wagneriano Sigmund). O lema de Freud, tanto em relação a católicos como a judeus ortodoxos, bem poderia ter sido «Ultrajai-os, ultrajai-os sempre!» T.S. Eliot, com efeito, sentiu-se ultrajado, mas qualquer judeu, mesmo que fosse muito menos talentoso do que Freud, bastava para provocar o desdém de Eliot. O único génio judeu apreciado por Eliot era o personagem de Christopher Marlowe -- Barrabás, O Judeu de Malta --, que morre derretido em óleo a ferver, embora, para fazer justiça ao abominável Eliot, seja necessário registar a sua admiração por Groucho Marx.»
Harold Bloom, Genius.