junho 25, 2004

O MEU MAU CARÁCTER (O CANTINHO DO HOOLIGAN). Eu não tenho coração para penaltis. Nem para penaltis dos outros, quanto mais dos portugueses. Durante o Euro, vi jogos em vários lugares – anteontem estava no Rio, a assistir à eliminação da Alemanha por uma das mais deliciosas equipas deste campeonato, a República Checa. No barzinho de Copacabana que tinha a televisão ligada, os apoiantes da Alemanha eram tratados como «argentinos». Não havia pior insulto. Ontem vi o jogo em Salvador, era feriado de São João na Baía e eu vi isso como um mau sinal, as pessoas estavam desmobilizadas. Esperei que a selecção portuguesa estivesse mais mobilizada. Esteve, sim, mas teve fases (nem vou falar disso, mas acho que esteve bem e que Scolari também mexeu bem na equipa). Sofri à antiga portuguesa.
Eu não gostava de Beckham; agora gosto bastante. Gosto quando ele falha, quando ele falha seja o que for, um passe, um salto para trás, mas de penaltis nem se fala – gostei que ele falhasse aquele. Também gosto muito quando Vassel falha seja o que for. Vejo-o fazer um lançamento lateral e apetece-me que ele falhe estrondosamente ou parta um braço (depois pode recompor-se); quando se trata de um penalti, então, o meu coração rejubila.
Mas eu não tenho coração para penaltis. Aliás, eu não devia ter coração para jogos destes. Foi emocionante mas teve fases. Teve aquela fase em que não se sabia até onde ia o nosso ataque; teve depois a fase em que não se sabia até onde ia a nossa resistência. E teve, então, a fase em que não se sabia até onde ia a minha resistência. Foi até ao fim, até ao penalti de Vassel; depois levantei-me e ia desistir, quando Ricardo marcou o seu penalti. Eu não tenho coração para penaltis: quando há jogos destes nem vale a pena falar de tácticas, de falhanços, de jogadas perdidas. Eu estava preparado para um Rooney fantástico, exuberante, perigoso, com o dobro do talento de Beckham, o que não era difícil. Mas também me esquecia de dizer que gosto quando Rooney sai lesionado a meio de um jogo contra Portugal. Gosto quando ele se lesiona ao voltar-se para o lado, quando parte um dente a mastigar pastilha elástica, ou se engasga a beber água. Gosto bastante quando acontecem desgraças dessas num jogo que vai a penaltis.
Num jogo destes, todos temos o direito de ter mau carácter, de querer que Scholes fique careca, que Cole tropece nas próprias pernas, que aquele adepto inglês de cara pintada e com asas inglesas caia num precipício e que Owen tenha um ataque de urticária.
E portanto foi a vitória da rapaziada contra os metrossexuais. Nunca desistiram. Tiveram momentos em que jogaram menos bem, mas isso não me interessa. E até ajudo a meter os ingleses nos aviões. Com uma chuva de manguitos. Um hooligan é um hooligan.