julho 03, 2004

CRIANÇAS. Vi, na televisão, uma reportagem sobre o stress das crianças durante o Euro. Um psicólogo explicava que os adultos dão largas à sua agressividade e que isso pode prejudicar as crianças, digamos que «provocar um trauma»; além disso, a febre futebolística pode também levar a desilusões: as crianças pensam que é só ganhar, só ganhar. Esta história dos traumas é absolutamente ridícula, dado que tudo provoca traumas e que tudo pode constituir um perigo para as crianças -- no fundo é um ramo extremamente prometedor no exigente ramo de negócio da psiquiatria. De seguida, a reportagem falava com crianças, à procura de traumas e de medos: «E então se Portugal perder a final? Ficas triste?» Pergunta diabólica, não? Resposta da criança: «Não.» «Não?» «Não.» Bom, a repórter não ficou convencida; apenas derrotada e cheia de stress. Mas o psicólogo garantia que era perigoso. Um raio que os parta.
Esta ideia de que as crianças devem ser protegidas de todas as emoções (sobretudo das que vivem mais intensamente) é uma doença hilariante dos profissionais do sector e da imprensa que adora traumas em cabeça de página. No início do ano, as crianças sofrem do stress do início do ano escolar. O stress do Natal vem a seguir. O stress das notas de final de período escolar aparece depois. E o stress das férias faz a sua aparição nesta altura. Se pudesse haver um mundo em que todas as emoções pudessem ser controladas directamente dos consultórios dos psicólogos, esse mundo protegeria as crianças até ao limite, poupando-as à alegria, à desilusão e às lágrimas. E o mundo seria tão perfeito que qualquer abalo teria um peso insuportável; as crianças não conheceriam a dor da derrota nem a euforia histérica da comemoração. Seriam ensinadas a pensar que não havia impostos, exames finais, horários de refeições, trabalhos escolares e que as caixas de Multibanco fornecem dinheiro livremente. Alguém explicaria que excesso e ausência seriam pecados terminais. Esta gente transforma o mundo num precipício.