julho 27, 2004

ORTOGRAFIA, UM RASPANETE. Do Pedro Ornelas recebo um mail sobre o assunto ortográfico. Responderei depois, caro Pedro.
Estas questões da linguística são, de facto, um diálogo de surdos entre meia dúzia (ou devo escrever meia-dúzia para não ser insultado?) de pessoas com formação na matéria contra uma data de pessoas que acham que sabem tudo sobre o assunto. Sem querer alongar-me na matéria, o que você diz do Dicionário da Academia, por exemplo, é simplesmente insultuoso. Por muitos defeitos que o DA tenha, vergonhoso era não termos em Portugal um dicionário feito em termos minimamente científicos, quando os ingleses, por exemplo, já o têm há perto de um século. O DA é um esforço meritório, pelo menos, um princípio. Presumo que o Francisco quando fala de 'linguajar' refere-se à inclusão no DA de expressões correntes do português moderno, colhidas da linguagem oral. Pergunto-me o que dirá o Francisco dos dicionários ingleses, regularmente actualizados de modo a incluírem toda a espécie de neologismos, 'palavrões', etc., que, quer se queira quer não, fazem parte de todas as línguas - talvez não de um registo 'culto', e daí nem sempre.
Eu fui revisor durante vários anos, li milhares de textos escritos pelas mais diversas pessoas, e a conclusão a que cheguei é que não há diferenças significativas, quanto à observância das normas ortográficas e gramaticais, entre um jovem estagiário de 20 anos e um jornalista experimentado com 60. Qualquer pessoa que tenha passado pelo mesmo trabalho lhe dirá o mesmo - se não fossem os revisores, conhecidíssimos cronistas e escritores portugueses seriam crucificados pelos seus deslizes, enquanto muitos jovens jornalistas passariam sem uma gralha.
Só para exemplificar como este não é um problema de agora, recordo uma passagem livro do José António Saraiva sobre o Expresso, em que ele conta como, na primeira metade dos anos 1970, o Pinto Balsemão revia pessoalmente muitos textos do jornal e se lamentava de 'como os jornalistas de hoje escrevem mal' - o que mostra que não era obrigando a dividir as orações dos Lusíadas que se fazia com que as pessoas não dessem erros.
Tanto quanto me vou apercebendo, creio que o problema do desconhecimento da ortografia não é um mal português, tal como as listas de espera nos hospitais não o são, e muitos outros males que nos afligem. E penso que intelectuais como o Francisco têm a responsabilidade de serem mais ponderados naquilo que dizem, e não alinharem pelo mais elementar senso comum.
Se, de facto, como diz o José Vítor Malheiros, aparecem gralhas nos sítios mais insuspeitos, isso deve-se, não a qualquer decadência no uso da língua portuguesa, mas à displicência dos responsáveis de agências de publicidade e empresas ao não contratarem serviços de profissionais para corrigirem possíveis erros. O Francisco, que já dirigiu várias publicações, sabe tão bem como eu, creio, que nenhuma publicação dispensa revisores qualificados - e isto é verdade em qualquer parte do mundo. Nada de histerias, por favor, e mais ponderação.