julho 29, 2004

ORTOGRAFIA, UMA RESPOSTA. Caro Pedro Ornelas: «o que eu disse, e mantenho» (ah, esta expressão retirada dos jornais…) é que os portugueses letrados são relapsos quando se trata de defender um mínimo de inteligência e de delicadeza para a sua e nossa Língua. O Pedro sabe, por várias razões não apenas profissionais, que se perderam alguns hábitos – o de verificar a ortografia segundo os dicionários e o velho prontuário do Bergström, o de observar as regras do hífen e do que, esse malfadado que relativo, o de perguntar, o de esclarecer dúvidas, o de não facilitar. Tenho um ponto a meu favor: todos os revisores que trabalharam comigo, sem excepção, aqui e ali, a quem eu sempre dei poderes excepcionais em hora de fecho de edição (de jornal e de revista) e a quem nunca subtraí influência na hora de confrontar os jornalistas com um erro que fosse. Eles lembram-se.
Li muitos textos impublicáveis, sim; e fui, além de editor, revisor. Tenho esse ponto a meu favor (e testemunhas): não traí a autoridade da Língua. Simplesmente, entendo que o relativismo em torno da ortografia é um passo para todo o género de relativismos. A facilidade com que se desculpam erros ortográficos desencanta-me, tal como acho altamente irregular que tenha sido nomeado secretário de Estado da Educação alguém que desculpa os seus erros próprios ortográficos com a falta de corrector adequado no computador – o que significa retirar toda e qualquer autoridade ao cargo e à função específica. Ou seja: não podemos permitir que um alto dignitário do Estado esteja à espera do corrector ortográfico para redigir um decreto, a menos que coloquemos um revisor atrás de cada caneta ou teclado.
Eu não penso que hoje a situação seja mais desgraçada do que há vinte anos, ou que Portugal seja mais atingido pelo vírus do mau português do que, digamos, a Islândia com a febre do mau islandês. O que eu sustento, com provas – programas escolares, compêndios autorizados e vistos pelo Ministério da Educação, teorias expostas em seminários destinados a professores perplexos, erros ortográficos quase abjectos em manuais escolares do secundário, artigos de professores lamentando-se da situação em que vivem e em que acusam claramente os responsáveis políticos e ideológicos – é que ninguém se importa; ninguém, ou seja, quem se devia importar. E sustento que isso se deve à falta de leitura de bom português nas escolas, à decadência do estudo dos autores clássicos da nossa língua, à falta de palmatória adequada nas televisões (sobretudo na televisão do Estado) quando passam legendas e rodapés que assassinam todas as regras, à permissividade bacoca das elites em relação ao ensino do Português e à qualidade do ensino da literatura. Por exemplo.
Esta opinião não é dominante e nunca será dominante. Seria impossível. Não julgo que estejam a assassinar o Português, como se bradava há anos – mas alguma coisa está a empobrecê-lo. Pois se já o dr. Balsemão se queixava em 1973…

PS,1 – Sobre o Dicionário da Academia. Caro Pedro, nenhuma dúvida em relação à sua importância. O que eu me interrogo é se alguns modismos de ocasião (parte deles entretanto desaparecidos) merecem figurar como exemplos dominantes.

PS, 2 – Eu indicava ao Pedro uma série de revisores ou «preparadores de textos», com quem tive a sorte de trabalhar e de aprender (Ayala Monteiro, Leal Ferreira, João Assis, Constantino Romão, Elsa Rocha, José Imaginário, Rita Bento…), e que poderiam contar muitas histórias sobre o uso do Português por gente ilustre. É isso, justamente, que nos devia deixar ainda mais preocupados.

2 Comments:

At 7:32 da manhã, Anonymous Anónimo said...

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At 7:46 da tarde, Anonymous Anónimo said...

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