julho 04, 2004

QUE LINDA, A ESTABILIDADE. Há, pelo país fora – blogosfera incluída, naturalmente – uma gritaria descomunal a pedir estabilidade. Não compreendo porquê e não vejo grande vantagem nesta estabilidade. Eu sei que a esquerda pede eleições (e como o Causa Nossa me nomeou na categoria de blog de direita, tenho de ser mais cuidadoso) e, como já escrevi, essa é a sua condição. Ai da esquerda se não pedisse eleições nesta circunstância (refiro-me ao PS – o Bloco e o PCP podem pedir eleições em regime de permanência). Seria uma vergonha se Ferro Rodrigues hesitasse um dia que fosse na exigência de eleições antecipadas depois de o primeiro-ministro anunciar que iria pedir a demissão. Muitos dos meus amigos de direita insinuam casos anteriores, um historial de nomeações e de ascensões ao cargo de primeiro-ministro sem ser através de eleições. Muitos dos meus amigos de esquerda pedem eleições no pressuposto de que, sem elas, não haverá legitimidade democrática que abençoe qualquer primeiro-ministro, o que me lembra a aparição da Eng.ª Pintasilgo, vinda do Além, falando da maior crise de que há memória – a senhora está com amnésia, mas compreende-se (de resto, pedir estabilidade através de eleições, e pedir legitimidade através de operações de rua é coisa que eu não entendo). Eu compreendo que há legalidade constitucional e legitimidade democrática, e que são coisas diferentes. Daí que Sampaio (qualquer coisa de positivo, finalmente, como diria o PC) tenha de tomar uma opção – e, por favor, que a tome sem multiplicar advérbios e adjectivos e sem pregar sermões de duvidosa moralidade. Que a tome, a justifique e seja rápido (a final do Euro é já hoje).
As eleições não assustam ninguém de bom senso e que saiba o preço da conquista do poder. É apenas disso que se trata. As coisas, nessa medida, são muito simples: 1) Durão Barroso aceita o cargo europeu; 2) Fez bem aceitar e não se compreende o coro que, agora, desvaloriza o cargo; 3) Ao abandonar o governo, Barroso sabia que a convocação de eleições era uma das hipóteses, tanto mais que o resultado das europeias tinha deixado o seu governo – e o seu partido, e a sua coligação – em situação muito fragilizada; 4) Volto a insistir num ponto (ver abaixo o post «Bom Motivo, Mau Motivo»): um governo de Santana Lopes será um governo do PSD, mas não será um governo do mesmo partido – será inteiramente diferente. Ou seja, um eventual governo de Santana Lopes não seria o governo nascido do quadro eleitoral anterior – a prova está na reacção de Manuela Ferreira Leite, por exemplo. Santana Lopes formaria um governo do PSD, mas com base num programa inteiramente diferente daquele que o «quadro parlamentar actual» validou, aprovou e defendeu.
De resto, mantenho que Santana Lopes gostaria muito de ir a eleições. E, salvo erro, essa hipótese assusta cada vez mais o PS.

O pedido de estabilidade parece-me, nestas circunstâncias, absurdo. Justificava-se, sim, se Durão Barroso fosse primeiro-ministro e a gritaria se mantivesse nas ruas. Demitido Durão Barroso, e nas actuais circunstâncias políticas, a realização de eleições não é nada absurda. E vão ter resultados muito surpreendentes.

O país não precisa de estabilidade: precisa de clarificação. Seria importante saber se o PS multiplicaria a criação de fundações dependentes dos dinheiros públicos, o que propõe para a função pública, como vai lidar com as metas impostas pela União em relação ao défice, o que vai propor em matéria de endividamento das autarquias e do sector público, com que dinheiro pensa fomentar a política de investigação e do ensino superior, que política vai seguir quanto às propinas, o que pensa da rede de transportes e da armazenagem de clientela em institutos e departamentos estatais. Tal como é importante saber como vai ser, exactamente, a sua política externa, embora isso me importe menos do que saber o que pensa sobre a reforma do ensino ou os programas de ensino do Português, ou o que vai fazer acerca do endividamento das regiões autónomas. Coisas concretas. A banalização doentia da contestação e do discurso rezinga exige, agora, posições claras e confronto. Se isto acontece apenas dois anos depois de eleições legislativas, a culpa é de quem deixou a situação chegar a este ponto, sendo que a saída de Barroso é apenas um pretexto. O país não precisa de estabilidade – precisa de respiração e de alívio, e de corrigir erros e de tomar fôlego: está crispado e desconfiado, inquinado por falsos debates e pela vulgaridade dos seus políticos. Eleições não resolvem isso, toda a gente sabe – mas ajuda a eliminar uma série de dúvidas.

PS - Uma nota final. José Pacheco Pereira resumiu bem a situação quando diz que o populismo serve, sobretudo, para fazer desaparecer o centro político: «Um dos efeitos induzidos do populismo é a deserção do centro político. Porque é difícil, porque dá trabalho, porque não dá votos, porque não brilha na televisão...» E quando conclui que estamos na luta entre o Bloco de Esquerda e o Bloco de Direita. Mas acho que não basta tirar essa conclusão, lançados os dados como estão. Como Pacheco Pereira, também penso que Durão Barroso deitou fora dois anos, entregando-os a Santana Lopes.