ORTOGRAFIA, CAIXA DO CORREIO, 3. O Rui Oliveira, do blog Superflumina, enviou um mail sobre esta mesma questão:
«Estou obviamente de acordo consigo sobre a importância da ortografia. Não é apenas uma obsessão, mas uma necessidade, não apenas para uma maior legibilidade da comunicação (que não passa apenas por aí), mas porque obriga a um rigor que também faz falta no resto. Como ex-professor do secundário, sei dar o devido valor às questões ortográficas e também os erros que os meus alunos davam. Mas, o pior do que os erros, era a atitude com que encaravam o assunto. Para eles, a preocupação com a ortografia era coisa do passado, pois eu até compreendia o que eles queriam dizer. Esta despreocupação alargava-se depois a tudo quanto faziam nos testes escritos e depois achavam que eu era demasiado rigoroso a dar as notas. Tudo o que desse trabalho, era banido. Todavia, o que me afligia mais como professor era a confrangedora capacidade que eles tinham para produzir textos, neste caso, escritos. Tentei, dentro dos limites do programa, trabalhar a expressão escrita, mas os anos de facilitismo do Ensino Básico não permitem muito êxito nesta matéria. Por isso, penso que a mudança de programa era absolutamente necessária, mas penso que está mal realizada. A minha análise do programa actual do Secundário está em curso, mas queria falar ainda com ex-colegas que tenham dado este ano o 10.º ano e ver os manuais (embora através das críticas que o Francisco já fez a alguns - e com as quais concordo - não me deixem muitas experanças). Também tenho dúvidas que os professores estejam muito preparados para a tarefa.
Quanto ao ensino de literatura, já disse no meu blog que havia literatura a mais nos programas, sobretudo pela maneira como acabava de ser dada (não querendo generalizar demais, o facto é que a maioria dos alunos não fixavam muito daquilo que lhes era ministrado): a poesia medieval (Galego-Portuguesa e Cancioneiro Geral) é um caso para esquecer. Também dado no 10.º ano o que se poderia esperar, especialmente de uma poética com condições de produção e recepção tão específicas que, por vezes, alguns professores também não conhecem muito bem (tenho histórias pessoais interessantes a este respeito); dos Lusíadas conhece-se os episódios dados (Consílio dos Deuses, Inês de Castro, Partidas das Naus, etc.) mas não a obra inteira... Aliás, dar lírica de Camões no 10.º ano, frequentemente, é bastante frustante pois os alunos desconhecem completamente a época... e alguns professores também não conheciam muito da tradição em que Camões se integrava, como por exemplo o petrarquismo (só sabem generalidades, nunca leram Petrarca, nem Garcilaso)..
- de Os Maias, exactamente a mesma coisa, conhece-se os episódios mas não se compreende a crítica social feita por Eça porque os alunos não conhecem o Portugal do séc. XIX.
- do Fernando Pessoa e heterónimos decorava-se o que o professor diz e depois tenta-se acertar o que se sabe com aquilo que foi dito pelo professor. E de muitos outros (Cesário, Garrett, Vieira, etc.) ainda se poderia dizer mais.
Mas isto de maneira nenhuma quer dizer que a literatura deveria desaparecer ou ser metida à pressão nos programas do Secundário na disciplina de Português. Tentar separar língua e literatura no ensino é perfeitamente artificial. Será impossível dominar bem a língua se não se tiver contacto com aqueles autores que mais puxaram pelos limites e potenciaram ao máximo essa língua. [...]Quanto ao novo programa de Português para o Secundário, como acima disse, não o conheço em profundidade, mas a leitura rápida deixa-me muito desconfiado, por exemplo, quanto ao conceito que os autores terão de "tipo de texto". A bibliografia, por exemplo no capítulo "Funcionamento da Língua", para um programa deste tipo, ignora quase completamente autores germânicos e anglo-saxónicos (apenas 1 destes últimos), faz apenas referência a autores francófonos e portugueses.
Eu tenho um curso LLM/Português e Francês, mas aprendi, em matéria de linguística (geral e de texto) a apreciar imenso os autores alemães, levando-me a aprender alemão (que ainda não domino muito bem) para poder ler mais e melhor o que há por aí. Ignorar quem (os alemães) praticamente criou a linguística de texto não me parece muito bom caminho ou será, uma vez mais, a nossa crónica dependência de tudo o que vem de França e derivados? Ou incapacidade dos autores em procurarem mais além? É pena que estes problemas não sejam seriamente debatidos por quem tem responsabilidades na Educação, pois estão sempre presos ou a teorias ou a interesses corporativos. Peço desculpa pelo comprimento da mensagem e espero que continue a abordar estes assuntos. Pela minha parte também o tentarei fazer.»
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