ASSUNTOS ANTIGOS, 2. À distância, o caso de Portimão e o espaço que garantiu em qualquer dos canais da televisão portuguesa parece confirmar tudo aquilo que os pessimistas de lei já tinham dito, escrito e pressentido nos últimos anos da Pátria: é de esperar sempre o pior porque o pior acontece sempre. Claro que pensamos que é sempre possível ter jornalistas que não façam perguntas idiotas e editores que arrisquem a sua posição honrada, mas isso é um esforço desnecessário e despropositado. A forma como as televisões lidaram com a tragédia ronda o abjecto, mas o abjecto estava lá, mesmo. [Estas observações são feitas com muito atraso, depois de José Pacheco Pereira ter escrito sobre o assunto no Público e no Abrupto, mas não vem mal nenhum ao mundo. ] O abjecto estava lá. Na rua, no povo, na indignação encenada diante das câmaras. Esse espaço de gritaria à frente da televisão (toda a gente que fez reportagem em directo sabe que as pessoas se transfiguram quando vêem um câmara ou um microfone) retira toda a dignidade à própria indignação. Alguns pensam que vale a pena relativizar e prestar atenção ao contexto. Eu penso que aquilo é o que é. O que me assustou francamente, naquelas transmissões a que assisti sobre o assunto, não foi sequer esse universo abjecto reunido à minha frente, aos gritos, procurando um lugar no apedrejamento, mas o facto de (em relação a este caso de Portimão como em relação a outros casos semelhantes de que a televisão se apropriou) se ter esgotado o lugar da dor. Não o do espectáculo do sofrimento, mas o lugar da dor, aquele silêncio que nenhuma poeira consegue incomodar.
Aviz
«We have no more beginnings.» [ George Steiner ]
2 Comments:
Excellent, love it! »
Best regards from NY! Brookhaven sports
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