ESTA VOZ É QUASE O VENTO.
Quando penso neles,
há um livro que abre as suas páginas.
Uma persiana desce,
o pássaro das lezírias parte para longe das
palavras.
Há palavras que matam.
Há um livro onde os amigos vivem para
sempre,
emoldurados pela luz cega das orquídeas.
Há dez mandamentos sobre a evocação dos
seus dias.
Há um martelo que golpeia os cravos da sua
cruz,
um machado de pedra negra que reflecte a sua
mágoa.
Quando penso neles,
parece que chove.
Chove sempre nas praças vazias e é domingo
outra vez.
Então
os cães dormem nas quintas ao abandono.
Todos partiram.
Só os amigos me esperam do outro lado do céu.
Quando penso neles,
há um rasto de ternura sobre a neve e sobre a lava,
há um anel de aço que aperta a garganta,
as suas cordas de som,
e a neblina é mais densa.
Há um cântico, um segredo que recomeça nas
vogais do nome, e já não é nada.
José Agostinho Baptista, Esta Voz é Quase o Vento
Assírio & Alvim, 2004
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