EU E O FUTEBOL, OU CONFISSÕES DE UM HOOLIGAN. O Hugo Jorge escreve, por mail, sobre os meus pequenos textos acerca do Benfica-Porto deste fim-de-semana:
«[...]Confesso que sempre apreciei o seu trabalho e, sobretudo, a sua crítica - incisiva, por vezes mordaz, mas sempre sensata. Mas quando chegamos ao futebol, transformamo-nos. Estranho desporto este, que ora nos une, ora nos separa. Podíamos discutir se foi ou não golo, se houve ou não penáltis, quem mereceu ou não ganhar. Custa-lhe assim tanto compreender o desejo de ganhar, o sentir-se prejudicado quando se dá tanto (como não se via os jogadores do Benfica, há anos)? Mas não devemos entrar por aí. Será mais importante discutir toda a envolvência. Porque continua o país a falar de paz no futebol (você mesmo o fez nos seus escritos públicos) e, depois, pouco se contribui para isso? Não se podem tolerar as afirmações e as atitudes de L.F. Vieira. Então e as de P. Costa, ao chamar assassinos aos benfiquistas? Não acha que a sua postura e aquilo que escreve, enquanto figura pública que é, contribuem para manter a fogueira acesa? Poderá dizer-me que foram outros que a acenderam, que escreveu num blog privado, que escreve com paixão (e aí, como sabemos, falta por vezes a razão). Dificilmente concordará comigo, mas gostava que pensasse. Porque assim, com o que escreveu, ataca o populismo de LFV mas branqueia o de PC. E, mais grave, alimenta-os, dá-lhes força e espaço para continuarem a delapidar aquilo que devia ser uma festa.»
Na passada quarta-feira (há uma semana), o Brasil jogou com a Colômbia e empatou a zero. Foi um jogo sofrível mas o Brasil jogou melhor e atacou como devia. As imagens da televisão mostraram com clareza que a bola, depois de chutada por um avançado brasileiro (esqueci quem era), entrou e bateu no chão, 59 centímetros para lá da linha de golo, na baliza dos colombianos. O árbitro não validou o golo. Houve protestos, naturalmente. Mas a maior parte dos protestos no estádio Rei Pelé, em Maceió-AL, foi contra os jogadores do Brasil, que não conseguiram marcar golo depois de tanto chuveirinho, de tantas jogadas de Ronaldinho Gaúcho e de Ronaldinho Nazário, de tantas oportunidades. Até ao dia seguinte, quando a grande imprensa e desinteressou do assunto, ninguém tinha pedido o massacre dos colombianos (que fizeram uma festa e tanto no próprio estádio), a defenestração do árbitro, o incêndio da bandeira colombiana ou uma investigação sobre o passado amoroso do treinador do país vizinho. Era futebol. Ficou um sentimento de injustiça, mas, de facto, o Brasil não tinha marcado golos que se vissem claramente. Leonan Penna dizia, com justiça: «Bola na trave é bola mal chutada.» E não tem mais. É mesmo.
O Benfica-FC Porto foi em tudo diferente. Mas eu sou um hooligan de trazer por casa. Acho que a frase de glória num jogo de futebol é «vai buscar!» («na peida!» também é usado, sim), gosto de brincar com os meus adversários e de dizer que a águia do Benfica já se transformou na galinha de Carnide. Eles chamam-me «da tripa». Aprecio muito a humilhação depois das derrotas; acho que fortalece o carácter. Aprecio ainda mais a alegria depois das vitórias, evidentemente; acho que fortalece o espírito. Não tenho nada contra quem ganha ao Benfica; acho que cumpre a sua função. Acredito que estas pequenas vilanias não contribuem para a paz social, tal como não criam desacatos nas ruas. Muitas vezes, é com amigos do Benfica que vejo os jogos do Benfica. Às vezes, eles vêem os jogos do Porto ao meu lado. Eu torço pelos adversários do Benfica. Eles torcem pelos adversários do Porto. Eu compreendo-os, e espero que me compreendam. Recebi mensagens SMS de apoio ao Celtic no dia da final de Sevilha. Alguns amigos declararam-se monegascos do coração durante a manhã do dia em que o Porto cilindrou o Mónaco. Eu fui holandês durante o PSV-Benfica. No dia do Anderlecht-Benfica senti-me sócio dos belgas desde a infância. Não tenho culpa. É um problema com que tenho de lidar. De cada vez que Baía deixa entrar um golo, o meu telefone enche-se de mensagens de amigos benfiquistas, festejando. Um deles envia-me mensagens com os nomes dos jogadores que – nesse dia – marcarão contra o Porto. Já chegaram a acertar. Já ganhei apostas. É uma vergonha. No último domingo fui presenteado com 30 garrafas de cerveja Skol.
Não sei quem é Luís Filipe Vieira (a não ser que tem negócios, que faz dieta – jantei várias vezes a poucos metros da mesa dele – e que não aprecio as suas piadas), mas pareceu-me a Dona Pombinha da telenovela (ainda se lembram?, perseguindo os adúlteros e fechando bares), abanando a cabeça e levantando o dedinho – e achei indigno que o cavalheiro tentasse fazer revelações sobre a vida conjugal de Pinto da Costa. Essas coisas não se fazem. Nunca. Mesmo que o Benfica esteja a pontos de ser derrotado por penaltis na taça Uefa. O resto – não me interessa. Gosto que o FC Porto ganhe e que o Benfica perca – sobretudo quando se invoca o passado, a grandiosidade do Benfica, a tradição, o número de adeptos, os lugares no estádio e a águia que desce sobre o relvado, «o Benfica é grande». Gosto mesmo muito. No Brasil gostava que o Palmeiras e o Flamengo descessem de divisão. E em Inglaterra nada me dá mais gozo do que uma derrota do Manchester. Eu sou um hooligan de trazer por casa. Não acho que tenha de apoiar o Benfica só porque defronta um clube «de fora». O Benfica é que é «de fora». Os meus amigos de verdade que pensam o mesmo sobre o Porto continuam a ser meus amigos de verdade. É só futebol. O resto – não me interessa. Um dia, um primeiro-ministro disse-me que era preferível que o Benfica ganhasse o campeonato para que a moral do país levantasse; passei a defender o direito à depressão colectiva. É irracional. Não encontro explicação. Eu sou um hooligan de trazer por casa. Gosto de ir ao Estádio do Dragão comprar camisolas para os meus filhos (um deles quase amua quando o Porto empata; tento dizer-lhe que é a vida, mas não adianta). Invento anedotas sobre o Benfica. Colecciono golos do Benfica que nunca entraram na baliza (como aquele do Belenenses, lembram-se?). Acho que os hooligans de verdade deviam ser presos e condenados a nunca mais poderem ver um jogo de futebol, nem da III Divisão. Irritam-me as multidões a festejar campeonatos – quaisquer multidões, sobretudo quando as televisões transmitem. Irritam-me as maratonas televisivas antes e depois dos jogos, acho que são impróprias para gente civilizada, para pessoas sensatas e para o jornalismo em geral. Não sei se gosto de discutir penaltis ou foras-de-jogo. Não gosto, seguramente, do «dirigismo desportivo»; acho-o geralmente triste, abjecto e pobre. Sempre o disse. Sempre o escrevi. E é isto o meu futebol. Ver jogos, gostar, escolher um adversário, recusar-me a explicar.
Adenda: Sim, hoje os dois golos do PSG entraram mesmo na baliza do Porto. E que ricos golos, que mereciam um aplauso para Pauleta, o renegado. É assim a vida.
Adenda 2: Por exemplo, ir ver o Benfica com Luís Nazaré.
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