UTOPIAS, 1. Leio um texto do Bruno Alves sobre a tristeza do dr. Soares em relação ao fim das utopias. Reconheço que é um pouco difícil, para várias gerações, admitir que o tempo das utopias conduziu aos campos da morte por todo o lado, de Calvino a Lenine e Pol Pot. O problema das eutopias é que já lá estavam escritas as suas sombras e os seus dias de terror: o homem construído e perfeito, a cidade como uma estrutura inexpugnável e terrível, vigiada por gerontes ou sábios, por iluminados ou marechais; já lá estava a obrigatoriedade das orações a uma hora certa, as directrizes sobre a vida sexual e sobre a educação das crianças, a questão alimentar, as determinações sobbre o trabalho e a maneira de tratar os velhos. Somos capazes de enquadrar a idade das utopias (o sonho de um mundo perfeito que contrastava com a desgraça na Europa), mas os seus textos são execráveis. A esta distância, assustadores. Há uma outra perspectiva, naturalmente: a da leitura da utopia como um mundo de possibilidades. Infelizmente, as possibilidades não são aceitáveis à luz do que sabemos hoje sobre o seu destino histórico e sobre o destino dos homens que sofreram essas utopias. O mundo anda a precisar de ler um pouco de Montaigne.
Aviz
«We have no more beginnings.» [ George Steiner ]
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