ARAFAT. Sobre Yasser Arafat, escrevi no Jornal de Notícias de hoje. Não tenho muito mais a acrescentar. A não ser que todos esperamos que Israel e um futuro (tão breve quanto possível) estado palestiniano democrático possam coexistir, mesmo de costas voltadas um para o outro.
Não, não vou chorar lágrimas de crocodilo. Não vou deixar de reconhecer o seu papel no Médio Oriente e na chamada “causa palestiniana”. É provável que seja um herói. Mas não vou tecer um elogio fúnebre. Se os palestinianos ainda não têm um país independente devem-no também a ele, que desfez acordos e mentiu descaradamente sobre os seus próprios planos, autorizando comandos suicidas formados por adolescentes e treino militar às crianças de Gaza. Se ainda há israelitas que se opõem à constituição de um estado palestiniano (e são muito poucos) devem-no muito a ele, que autorizou e mandou executar civis com a frieza de um “grande líder”, condenando massacres em inglês e incentivando-os em árabe. Não aceito a encomenda de um Arafat transformado em anjo – desenho que, repetidamente, as televisões vão pintar durante as semanas mais próximas e que os jornais vão reter em colunas laudatórias, rendidas diante da morte do “grande estadista”.
Quem já viu destroços de autocarros israelitas e pedaços de corpos retirados de restaurantes destruídos à bomba em ruas de Jerusalém pode, sem dúvida, calar a voz e respeitar a dor dos que choram Arafat – e perguntar-se sobre os dias que vêm. Mas não fará mais do que isso.
Eu vi a pizaria Sbarro, de Jerusalém, destruída por uma bomba da Fatah. Vi os jovens que dançavam na discoteca Dolphinarium, em Telavive, dias antes de ser destruída por um suicida recrutado pela Fatah e enviado pelo Hamas. Vi o restaurante perto de Haifa (a cidade da tolerância) onde centenas de judeus celebravam a sua Páscoa, e que os militantes da Fatah não hesitaram em destruir à bomba. Lembro-me de Itzhak Rabin confiar em Arafat depois dos acordos de Camp David – e de Arafat ter voltado atrás. Vi o pequeno mercado ao lado da Jaffa Road, em Jerusalém, semeado de corpos depois de um ataque organizado por militantes do Hamas que Arafat libertara dias antes. Ouvi Ehud Barak, em Jerusalém, falar com optimismo depois dos acordos de Oslo que Arafat rasgou depois de apertar a mão ao primeiro-ministro de Israel – abrindo as portas à vitória eleitoral de Ariel Sharon e da ala direita do Likud, um festim para os extremistas do Hamas e da Jihad.
Quem viu esses destroços sabe que um estado palestiniano democrático seria impossível com Arafat. E, por isso, dificilmente chorará a sua morte. É doloroso escrever isso: não chorar a sua morte. Mas a verdade é que, tendo o dever de respeitar o vazio da morte, temos também o dever de não a usar para esconder as feridas abertas. Arafat não se transformou apenas numa peça dispensável – transformou-se num obstáculo à paz e à criação de um estado palestiniano democrático, arrastando o seu povo para uma guerra de fanáticos alimentada pelos ditadores da região. Ao mesmo tempo, criou um regime de terror nos média palestinianos, acumulou uma fortuna pessoal que ultrapassa de longe os 300 milhões de dólares (segundo a “Forbes”) – grande parte dela desviada dos cofres da Autoridade Palestiniana –, autorizou execuções sumárias e fuzilamentos regulares, apoiou-se em líderes religiosos que pregavam nas mesquitas de Gaza sobre o dever de matar judeus, transformou a Autoridade Palestiniana num aparelho corrupto e voraz.
É forçoso reconhecer que desaparece um líder e uma figura histórica. Mas o reconhecimento do facto não implica que se seja desleal para com a memória e as suas mágoas.
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