dezembro 29, 2004

REVISTA DE BLOGS. A Aula de Alemão: «Seríamos talvez os únicos desalinhados, quem discutia a Carta ao Pai, de Kafka, Luiz Pacheco ou Nietzsche, e quem ouvia Velvet Underground, Sonic Youth ou Joy Division. Eu achava que ele era intelectual, e sabia-o perdido. Sempre achei isto das minhas almas gémeas, não sei se por ser naïf ou presumida. Um dia, estávamos perdidos de bêbados à uma da tarde e ele estava sentado no chão, e gritou: Gosto das tuas ancas. Tens ancas de mulher. Pode parecer mentira, mas éramos tão frágeis, tão tímidos, trocávamos roupa e bonés e muitas vezes andávamos de mãos dadas a fazer disparates pela escola, mas sem sentido das proporções, da mediania. Quis salvá-lo, ou perder-me com ele. Depende do ponto de vista. Assim, levei-o para a primeira carteira, na primeira fila. Falávamos menos, escrevíamo-nos muito mais. Um dia, na aula de alemão, passei longos minutos a observá-lo, e ele tão perto de mim, tão lá e tão fora. Não sei como, creio que disse o seu nome, ele olhou-me e eu preguei-lhe um beijo na boca à frente da Frau Fernandes.» No Diotima.