dezembro 08, 2004

SENDO ASSIM. Por motivos sérios -- nomadismo, vício, etc. -- entro num cybercafé. Cavalheiros circunspectos lêem o correio electrónico, duas adolescentes teclam no MSN, rapazes combatem em jogos online, um blogger ali ao fundo. Os rapazes excitam-se com os jogos de guerra e a agudização do combate, e desatam numa onda de palavrões. O meu dicionário, que é razoável, enriquece-se, sobretudo porque eles falam alto. Ao fim de meia-hora levanto-me e vou fumar um cigarro; aproveito para perguntar ao encarregado da loja se não pode dizer àqueles palermas para falarem mais baixo. Ele responde-me que é um espaço público. Eu digo-lhe que sei o que é um espaço público mas que gritar que «foda-se lá a gaja, maizó caralho» não me parece um exemplo acertado. Ele promete fazer qualquer coisa e eu vou à porta, que dá para a rua, fumar um cigarro. Um pai leva as duas filhas (sete, oito, nove anos?) ao cybercafé e ouve a conversa. Parece-me que ficou apreensivo e olha lá para dentro, mas o rapaz da loja murmura qualquer coisa sobre «pessoas que não compreendem o que é um espaço público» nem o espírito rebelde dos adolescentes que de vez em quando gritam foda-se. O pai olha para mim, e, apesar do meu ar perplexo, vejo que acaba por concordar com o energúmeno: claro, é preciso perceber isso, os miúdos diante do computador dizem sempre um caralho de vez em quando, pá, isto é assim mesmo, não tem mal nenhum, foda-se. Sinto-me um reaccionário num cybercafé de bairro de classe média. A classe da classe média já mudou, foda-se. Melhor, a tolerância e a pedagogia foderam-na. Estamos fodidos. Desculpem lá.